Acervos de Arquitetura Moderna Brasileira (1945-1960)
fundos e coleções em órgãos e instituições públicas no Brasil
Colecciones de Arquitectura Moderna Brasileña (1945-1960): fondos y colecciones en organismos e instituciones públicas en Brasil
Collections of Modern Brazilian Architecture (1945-1960): funds and collections in public bodies and institutions in Brazil
DOI: https://doi.org/10.18861/ania.2022.12.2.3296
Arq. Julia Cavalcante de Andrade
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Brasil
julia.andrade@fau.ufrj.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5554-1806
Recibido: 11/06/2022
Aceptado: 31/08/2022
Cómo citar: Cavalcante, J. (2022). Colecciones de Arquitectura Moderna Brasileña (1945-1960): fondos y colecciones en organismos e instituciones públicas en Brasil. Anales de Investigación en Arquitectura, 12(2). https://doi.org/10.18861/ania.2022.12.2.3296
Resumo
Este artigo está relacionado a necessidade de se conhecer os acervos de Arquitetura Moderna Brasileira – em fundos e coleções públicas – existente em órgãos e instituições no Brasil. O recorte temporal considera coleções constituídas por bens relativos às décadas de 1945 a 1960 e um recorte espacial voltado a uma sistematização dessas coleções e sua distribuição no território brasileiro. Os critérios de seleção dos órgãos e instituições foram pautados considerando a localização destes em estados que tiveram maior evidência e destaque no processo de modernização do Brasil no recorte temporal citado, portanto: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Brasília. O objetivo é apresentar um mapeamento de órgãos e instituições públicas no Brasil e seus respectivos fu–ndos e coleções nos quais é possível encontrar material de pesquisa de Arquitetura Moderna Brasileira; um tema amplamente estudado que, no entanto, não possui os acervos a ele vinculados ainda devidamente mapeados. E através do levantamento de tais acervos visualizar a possibilidade futura de aprofundá-los e expandi-los, construindo uma base referencial com outros acervos ligados ao tema.
Palavras-chave: Acervos de Arquitetura, Arquitetura Moderna Brasileira, Patrimônio arquitetônico, Coleções públicas.
Resumen
Este artículo está relacionado con la necesidad de conocer los acervos de Arquitectura Moderna Brasileña -en fondos y colecciones públicas- existentes en organismos e instituciones de Brasil. El corte temporal considera colecciones compuestas por bienes referentes a las décadas de 1945 a 1960 y un corte espacial que busca la sistematización de esas colecciones y su distribución en el territorio brasileño. Los criterios de selección de órganos e instituciones se basaron en su ubicación en los estados que tenían mayor evidencia y protagonismo en el proceso de modernización de Brasil en el marco temporal mencionado, por lo tanto: Río de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais y Brasilia. El objetivo es presentar un mapeo de organismos e instituciones públicas en Brasil y sus respectivos fondos y colecciones en el que es posible encontrar material de investigación sobre la Arquitectura Moderna Brasileña; un tema ampliamente estudiado que, sin embargo, no tiene las colecciones vinculadas a él aún debidamente mapeadas. Y a través del relevamiento de tales colecciones, visualizar la posibilidad futura de profundizar y ampliarlas, construyendo una base de referencia con otras colecciones afines al tema.
Palabras clave: Colecciones de Arquitectura, Arquitectura Moderna Brasileña, Patrimonio Arquitectónico, Colecciones públicas.
Abstract
This article is related to the need to know the collections of Brazilian Modern Architecture - in funds and public collections - existing in bodies and institutions in Brazil. The temporal cut considers collections made up of goods relating to the 1945 to 1960 decades and a spatial cut aimed at a systematization of these collections and their distribution in the Brazilian territory. The selection criteria of bodies and institutions were based on their location in states that had greater evidence and prominence in the process of modernization in Brazil in the aforementioned time frame, therefore: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais and Brasília. The objective is to present a mapping of public bodies and institutions in Brazil and their respective funds and collections in which it is possible to find research material on Brazilian Modern Architecture; a widely studied topic that, however, does not have the collections linked to it yet properly mapped. And through the survey of such collections, visualize the future possibility of deepening and expanding them, building a reference base with other collections related to the theme.
Keywords: Architecture Collections, Brazilian Modern Architecture, Architectural Heritage, Public collections.
Acervos de Arquitetura: caracterização e relevância cultural
De acordo com o pesquisador e professor Marcio Rangel: “Coletar, pelo menos no Ocidente, onde geralmente se pensa no tempo como linear e irreversível, pressupõe resgatar fenômenos da decadência ou perda histórica inevitáveis. A coleção teoricamente contém o que merece ser guardado.” (RANGEL, 2012, p. 133). Deste modo, como resultado da coleta dos registros, sendo então reunidos e organizados, as coleções surgem enquanto:
(...) um conjunto de objetos materiais ou imateriais (obras, artefatos, mentefatos, espécimes, documentos arquivísticos, testemunhos, etc.) que um indivíduo, ou um estabelecimento, se responsabilizou por reunir, classificar, selecionar e conservar em um contexto seguro e que, com frequência, é comunicada a um público mais ou menos vasto, seja esta uma coleção pública ou privada. (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 32).
Segundo Rangel, o ato de colecionar “(...) realça os modos como os diversos fatos e experiencias são selecionados, reunidos, retirados de suas ocorrências temporais e originais, e como eles recebem um valor duradouro em um novo arranjo.” (RANGEL, 2012, p. 145). Ou seja, trata-se de uma construção voluntária de caráter seletivo, vinculada a um esquema de atribuição de valores em consonância com o agente colecionador, de modo que na formação de uma coleção sempre há um recorte no universo do tema escolhido.
Em linhas gerais, acervos e coleções são formados por uma diversidade de objetos formados por uma gama de materiais distintos, os quais são agrupados a partir de critérios de aquisição pré-estabelecidos alinhados com focos de interesse, especializações, pesquisa, procedências e identidade geral com o restante da coleção. Junto às coleções, sendo estas necessariamente “agrupamentos de objetos que formem um conjunto (relativamente) coerente e significativo.” (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 32), há também os fundos, não necessariamente com características comuns e reunidos intencionalmente, mas sim oriundos de uma mesma proveniência.
Nesta perspectiva, especificamente sobre o campo de arquitetura e urbanismo, este possui como conceito norteador e critérios seletivos de aquisição de peças para a constituição de seus acervos a temática: Arquitetura e Urbanismo. Conforme o Instituto de Arquitetos do Brasil, de São Paulo, estes acervos são, no que lhe concerne,
(...) testemunhos de ideias e de práticas de trabalho que constituem importantes documentos para os estudos da arquitetura, da cidade, das artes, das técnicas, das profissões e de suas relações com a sociedade. Representam um patrimônio cultural que precisa ser preservado, estudado e divulgado. São compostos por documentos de variados suportes, cujas especificidades exigem tratamentos distintos de salvaguarda, organização, catalogação e conservação de modo a permitir ampla difusão entre pesquisadores e interessados. Organizados em arquivos criteriosos, as coleções de arquitetura e urbanismo servem tanto à pesquisa quanto à difusão da cultura técnica, artística e social brasileira. (IAB/SP, 2021)
Sob o âmbito do Patrimônio, acervos de arquitetura em fundos e coleções públicas exercem papel fundamental no fomento a pesquisa e extensão nos órgãos e instituições que as detêm. Ocupando lugar privilegiado enquanto suporte da memória, estes acervos são essenciais à produção de conhecimento, sobretudo no que tange à investigação acerca de temas como: patrimônio arquitetônico, patrimônio urbano, paisagem cultural, história e historiografia do patrimônio; assim como questões de salvaguarda, conservação, preservação e restauração. Acerca de seu valor, afirma a pesquisadora Lourdes Cruz Gonzalez Franco em seu artigo Archivos de arquitectura:
Los archivos de arquitectura en las instituciones estatales, locales, eclesiásticas, militares, culturales o académicas constituyen uno de nuestros patrimonios documentales más valiosos. Estos archivos representan la memoria del proceso de creación de lo construído, pero en ocasiones, lamentablemente cada vez más frecuentes, significan el único testimonio de las obras perdidas, destruidas por negligencia, olvido o intereses económicos, entre múltiples factores; son el sustituto del patrimônio irrecuperable. (FRANCO, 2004, p. 155)
É, portanto, ainda preciso enfatizar a diversidade deste tipo de acervo, de modo a não os definir genericamente como “projeto de arquitetura”. Tais coleções são compostas por um conjunto variado de documentos, cujos suportes e meios são igualmente diversificados, uma vez que este tipo de acervo incorpora: ilustrações, mapas, tubos de projetos, pranchas de projetos, pranchas de desenhos, aquarelas, fotografias, impressos, gravuras, filmes, folhetos, periódicos, slides, negativos, revistas, livros e maquetes. Assim como documentos paralelos, como memoriais, cartas, arquivos pessoais, objetos, diários, documentos manuscritos, documentos datilografados, recibos e catálogos de materiais e, nos últimos anos, tonando-se cada vez mais predominantes, produções realizadas em meios digitais.
Segundo o arquiteto e pesquisador Ramón Gutiérrez em seu artigo Os arquivos de Arquitetura no contexto latino-americano, “Nestes anos últimos anos a consciência do valor documental destes arquivos está possibilitando o resgate dos mesmos.” (GUTIÉRREZ, 2001). De modo complementar, como expôs Lourdes Franco, esta consciência: “(...) ha provocado y promovido reuniones internacionales, seminarios, asociaciones y congresos; unodelos más recientes de ellos fue el I Congreso Internacional de Archivos de Arquitectura en Alcalá de Henares.” (FRANCO, 2004, p. 155).
No Brasil, em particular, nos últimos anos o tema tem gerado uma ampla literatura publicada através de importantes eventos e periódicos. Como o 6º Seminário Ibero-americano Arquitetura e Documentação, realizado na UFMG em 2019; o Seminário Acervos de Arquitetura, promovido pelo IABSP e Itaú Cultural em 2020; o II Seminário Arquivos, Historiografia e Preservação: perspectivas contemporâneas, pela FAUUSP, em 2021; e mais recentemente, destaca-se a edição dedicada a arquivos e acervos, publicada em 2022, pela revista Paranoá (UnB).
No cenário internacional, sobretudo por meio de exposições, tendo em vista o potencial de musealização destes acervos, os mesmo vêm adquirindo um valor cultural e artístico. Maria Cristina Cabral, professora da FAU UFRJ, aponta, por exemplo, algumas instituições que “Tal como o MoMA-NY, o Centro Georges Pompidou com o MNAM-Paris e o CCI inscreve-se na categoria de museu de arte que expõe arquitetura. Apesar da importância das exposições nele realizadas, o tema da arquitetura é um debate periférico na instituição.” (CABRAL, 2010, p. 10).
Diferente deste circuito americano e europeu, onde segundo a autora, o debate não se dá em sua potencialidade; na América Latina, por outro lado, a consciência acerca do valor documental dos arquivos de arquitetura têm conduzido instituições reconhecidas a atividades de salvaguarda e proteção deste patrimônio. Como, por exemplo:
O Centro de Documentação de Arquitetura Latino-americana (Cedodal), formado em Buenos Aires em 1995 e reconhecido como Fundação com figura jurídica em 1998, tem impulsado este mecanismo de valorização pública, contando com a colaboração das famílias de Arquitetos que resguardaram este patrimônio de caráter excepcional. (GUTIÉRREZ, 2001)
A seguir, exemplos de peças relacionadas à Arquitetura Moderna em fundos e coleções de órgãos e instituições públicas no Brasil.
Figura 1: Fotografia: Construção do Aterro do Flamengo – pistas. 1959.
Autoria: Andrade, A. Data.
Figura 2: Fotografia: Masp - O talento arquitetônico de Lina Bo Bardi.
Autoria: desconhecida.
Figura 3: Esboço do Plano Piloto de Brasília, Lucio Costa.
Autoria: Lucio Costa.
Figuras 4 e 5: Fotografia: Igreja de São Francisco de Assis. Vista Parcial da Casa do Baile. Belo Horizonte, MG.
Autoria desconhecida. Data: 1960 – 1979.
Figura 6: Projetos de Rino Levi (1958), Gregori Warchavchik. (1949) e David Libeskind (1953). Autoria: Croqui de Vilanova Artigas. Data: (195-).
Fuente: Acervo de projetos FAU USP.
Figuras 7 e 8: Fotografia: Prédio da Reitoria da UFRJ, Projeto de Jorge Machado Moreira.
Fuente: Acervo: Núcleo de Pesquisa e Documentação/ FAU – UFRJ.
Figuras 9, 10 e 11: Fotografias: Fachada de residência no Cidade Jardim, Reitoria da UFMG e Casa do Baile, Belo Horizonte, MG. Autoria: Gui Tarcísio Mazzoni. Data: 1960.
Fuente: Acervo: Núcleo de Pesquisa e Documentação/ FAU – UFRJ.
Órgãos e instituições: seus fundos e coleções de Arquitetura Moderna Brasileira.
Em 1945 é inaugurado no Rio de Janeiro o prédio do Ministério da Educação e Saúde, “(...) seguindo o partido definitivo estabelecido em dezembro de 1936 pela equipe que Lucio liderava. (...). O longo processo de projeto começado em 1935 incluía um primeiro projeto pela equipe brasileira e duas propostas de Le Corbusier, consultor de 13 de julho a 15 de agosto de 1936.” (COMAS, 2010, p. 59). Quinze anos depois, em 1960, é inaugurada Brasília, a nova capital do Brasil, uma cidade inteiramente moderna nascida sob os preceitos básicos do modernismo.
Ambas as obras são marcos de um esforço governamental no sentido de uma “modernização” do país, onde “(...) A arquitetura recebeu um papel proeminente, porque com ela o progresso das cidades tornava-se visível.” (MEURS, 2010, p. 77). Tratam-se, portanto, de cidades centrais em consonância com o espírito moderno que se estabelecia.
Neste sentido, foram aqui selecionados oito órgãos e instituições públicas, conforme estruturado no quadro 1 a seguir, detentoras de fundos e coleções com peças referentes à arquitetura moderna brasileira produzida no período de 1945 a 1960; cujos critérios de escolha foram pautados em órgãos e instituições localizados em estados que tiveram maior evidência e destaque no processo de modernização do Brasil nos anos 1945 a 1960, ou seja: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Brasília.
Quadro 1: Visão geral de fundos e coleções em órgãos e instituições públicas no Brasil.
Fonte: autora.
O mapeamento destes órgãos e instituições abrangendo a criação, localização e fundos e coleções com itens de Arquitetura Moderna Brasileira correlatos a cada um deles encontram-se nos quadros 2 e 3 a seguir:
Quadro 2: Órgãos públicos: arquivos nacionais e estaduais.
Fonte: autora.
Quadro 3: Instituições públicas: centros universitários de documentação.
Fonte: autora.
Proximidades e paralelos: proteção, riscos e potencial de pesquisa.
Neste cenário, os arquivos de arquitetura moderna brasileira, particularmente em órgãos nacionais, tiveram de modo geral suas formações vinculadas à produção de documentos provenientes da própria administração pública; enquanto unidades administrativas de preservação do patrimônio, os órgãos responsáveis por arquivos públicos atuam na coordenação e sistematização destes, realizando o recolhimento, gestão, tratamento técnico, e divulgação do patrimônio documental.
No caso das instituições públicas, os centros universitários de documentação se formaram majoritariamente integrados a própria origem das universidades enquanto espaços de ensino e pesquisa. Como aponta Gutiérrez ao afirmar que “O habitual é que a documentação que tenha relação direta com a arquitetura histórica se encontre nos acervos nacionais correspondentes.” (GUTIÉRREZ, 2001). Assim, constatamos a presença de acervos em locais vinculados a sua própria história de produção.
Atualmente, os órgãos e instituições apresentadas nos quadros compartilham não só proximidades em suas formações e nas constituições de suas coleções, como possuem objetivos em comum: preservar e difundir seus acervos. Quanto a formação dos mesmos, conforme já foi apontado, foram constituídas em paralelo à história das instituições. Ou seja, produzidos lá mesmo ou adquiridos através de doações de coleções de arquitetos, urbanistas e designers expoentes da arquitetura moderna e brasileira; em particular da cidade onde o órgão ou instituição está localizado, muitas vezes saindo dos escritórios e residências de seus proprietários e se transformando em coleções. Como expôs Gutiérrez:
Instituições públicas e privadas têm recolhido nos últimos anos Arquivos que se encontravam dispersos em mãos das famílias dos arquitetos. Esta tarefa foi fruto do processo de conscientização e também resultado das ações externas que foram urgindo ações nacionais para a proteção de suas documentações. (Ibid., 2001)
Quanto à preservação dos acervos, estes órgãos e instituições atuam aderindo a processos de proteção, como conservar e restaurar as peças com vistas a evitar o seu perecimento e degradação, buscando manter para a posteridade, seus registros, quaisquer que sejam suas tipologias. O objetivo deste tratamento técnico se dá à divulgação dos seus acervos, de forma que “Entendemos que a difusão deve ser colocada entre as prioridades, uma vez que é através dela que a sociedade conhece o patrimônio documental.” (SILVA; BARBOSA, 2012, p.46). Ou seja, estes órgãos e instituições preservam esse material e os colocam à disposição da sociedade, visando garantir o acesso às informações que compõem o acervo.
Entre as práticas existentes para sua salvaguarda e difusão, cada qual a seu modo, desempenha principalmente atividades voltadas à pesquisa e extensão em cima de seus acervos, como: produções editoriais, exposições, publicações diversas, livros, conteúdo de internet, visitas técnicas, eventos especializados, cursos, oficinas, ações educativas, seminários, palestras, congressos, atendimento a pesquisadores, alunos, jornalistas e orientação a projetos de pesquisa. Isto é, atividades diversas ligadas aos acervos e à memória lá guardada.
À vista disso, no gesto de preservar a memória por meio da guarda, inúmeros foram os métodos de inventariar, catalogar e condicionar os objetos; atualmente com a possibilidade de tornar digital esse processo, os imensos e incontáveis bancos de dados auxiliam nestes modos de salvaguarda, tanto para estudos atuais quanto para o conhecimento da posteridade.
Contudo, sobretudo em relação às instituições públicas, estas ainda apresentam dificuldades neste sentido. Embora sejam bem estruturadas, consideradas referências no tratamento arquivístico deste tipo de acervo, com grande parte de seus documentos inventariados, catalogados, higienizados e digitalizados, muitas apresentam ainda parte dessas atividades em processo; sobretudo a digitalização, dificultando o acesso ao material por parte do pesquisador que visa saber o que as instituições de fato possuem em seus acervos. Sobre este cenário:
A dimensão de algumas coleções individuais, a permanente expansão dos acervos e as crescentes demandas de uso das fontes naturalmente colocam desafios de difícil enfrentamento a toda e qualquer instituição comprometida com a memória e a história da arquitetura e do urbanismo. Outra limitação frequentemente observada diz respeito às condições de consulta e manuseio de originais, o que tem levado várias dessas instituições a investir na regulação do acesso, na composição de coleções especiais ou raras e em políticas de restauração e acondicionamento, bem como em esforços de digitalização de partes de seus documentos. (LIRA; DELECAVE; PRÓSPERO; FIAMMENGHI, 2021, p. 21)
Mesmo que de maneira incipiente algumas instituições estão dando início a este processo de informatização e digitalização, o que não abrange a totalidade delas, com muitas apresentando ainda dificuldade quanto à disponibilização dos acervos em um sistema integrado, como aponta Lourdes Franco:
(...) se señala que el desmedido crecimiento de la documentación puede llegar a un punto de saturación de la capacidad de absorción de los sistemas de archivos, lo cual está íntimamente ligado hoy al resguardo de la información en medios electrónicos. En este sentido, se presentan varias propuestas de almacenamiento de datos, sistemas altamente sofisticados y, por lo tanto, muy costosos; la digitalización, por el momento lapanacea y la aparente solución para el resguardo de la información, también tiene sus dificultades porque el avance vertiginoso de la tecnología obliga a migrar de un sistema a otro para evitar el rezago y la pérdida de esa información. (FRANCO, 2004, p. 157)
Em linhas gerais, esses acervos e arquivos possuem documentos que precisam ser ainda, sobretudo, digitalizados e disponibilizados em um sistema. Contudo, considerando que ainda é um desafio constituir um banco de dados que permita ao pesquisar uma primeira aproximação com as coleções, estas instituições fornecem guia de fundos e coleções como condições iniciais e instrumentos básicos de acesso aos conjuntos documentais que compõem os acervos.
Em uma simples busca aos bancos de dados das mesmas, é identificada esta ausência na digitalização das coleções sendo preenchida pelo fornecimento de dados e informações básicas de suas coleções e fundos, de modo que o pesquisador ou interessado entre em contato para obter mais informações sobre o que busca.
Esta lacuna ainda presente se justifica pelo fato de que a digitalização não só depende de um trabalho sistemático de catalogação como também obedece a alguns critérios. Como as demandas por consulta, fragilidade das peças, recursos humanos, recursos oriundos de projetos de pesquisa, custos diversos e questões relativas ao acesso físico ao material, além de dificuldades encontradas na própria infraestrutura.
Temos como exemplo, o segundo incêndio ocorrido em menos de dez anos no prédio da reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em abril de 2021, o qual destruiu parte das dependências administrativas do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo; embora a maioria dos documentos do acervo que estavam no local tenham sido resgatados sem danos, a possibilidade de destruição acarretaria não só na perda do acervo, de inestimável valor histórico, como também do próprio edifício, um patrimônio reconhecido da arquitetura moderna brasileira.
Ocorrido que corrobora a afirmativa do Instituto de Arquitetos do Brasil, São Paulo, de que “(...) apesar da excelência reconhecida internacionalmente de alguns centros, há no Brasil muitos arquivos dispersos e em situações díspares – na administração pública, nas universidades, em entidades culturais e em escritórios particulares.” (IAB/SP, 2021). Em vista deste cenário, há de acrescentar a “fuga” de arquivos para o exterior do país, sobretudo pautada na descrença na capacidade de trabalho e estrutura em relação à salvaguarda destes arquivos no Brasil.
Como o exemplo das recentes transferências dos acervos de Paulo Mendes da Rocha, entre 2019 e 2020; e de Lucio Costa, entre 2020 e 2021, para Portugal. Indo ambos para a Casa da Arquitectura, na cidade de Matosinhos, suscitando intensos debates; como o proposto pelo 8º Seminário Docomomo São Paulo, dedicado aos atuais desafios dos acervos, tendo em vista esta relação que se tornou candente no contexto brasileiro acerca da evasão de importantes documentos da nossa arquitetura e urbanismo modernos.
Ciente da importância da preservação e divulgação desses acervos e como modo de evitar que essas situações ocorram como aconteceu; a Carta aberta Por uma Rede de Acervos de Arquitetura e Urbanismo, do Instituto de Arquitetos do Brasil afirma que “É necessária a construção imediata de uma política de incentivo e valorização de acervos de arquitetura e urbanismo no país”. (IAB/SP, 2020) e sugere como solução o diálogo com:
(...) um conjunto de organizações e especialistas no tema para criar as condições necessárias para estabelecer uma Rede de Acervos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Uma ação conjunta de instituições públicas e privadas detentoras de acervos de arquitetura com objetivo de compartilhar políticas de acervos sempre se guiando por preceitos éticos e normativos de conservação, organização e acesso público à informação. Uma Rede de Acervos de Arquitetura e Urbanismo que se propõe a compartilhar conhecimento, incentivar novas pesquisas e novas leituras, discutir a incorporação de novos acervos e contribuir para a melhoria das técnicas de preservação. Assim, será possível orientar projetos futuros, ampliar o repertório de ações possíveis, bem como garantir o acesso à informação pública, extrovertida por meio da montagem de exposições, publicações, além de seminários sobre o tema. A construção de uma infraestrutura comum, por meio de uma plataforma digital, também é uma missão desejável para conexão das informações dispostas em rede. Para tanto, será necessário buscar convergências entre estratégias para o financiamento dessas iniciativas. (IAB/SP, 2020)
Nesta perspectiva, considerando que a etimologia da palavra Patrimônio, segundo o historiador Dominique Poulot, remete à “(...) herança, ao conjunto dos bens, principalmente materiais, mas também simbólicos e genéticos, que são legados de uma geração para outra.” (POULOT, 2009); ou seja, que “O patrimônio é um bem público cuja preservação deve ser assegurada pelas coletividades, quando não é realizada por particulares.” (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 74), os acervos de arquitetura e urbanismo são, neste mesmo sentido, bens públicos cuja preservação deve ser assegurada por se constituírem como memória documentada da arquitetura e urbanismo que, em grande maioria, abrange as coletividades. Pois:
Si bien este universo de información es materia prima de investigación, también, lamentablemente y con mayor frecuencia, constituye el único testimonio de las obras perdidas. La conciencia del bien común arquitectónico, aunque sea privado, aún es una concepción difusa en la mayoría de la población. Aunado a ello, muchas obras son destruidas por negligencia de las autoridades y por intereses económicos que responden a la especulación inmobiliaria. La difusión y el conocimiento del valor patrimonial arquitectónico son los primeros pasos para su protección. Si no se hace hincapié en ello, los documentos se convertirán en el único vestigio de un patrimonio cultural irrecuperable, que pasará de generación en generación como un lamento por lo perdido. (FRANCO; QUAGLIA; SÁNCHEZ, 2020, p. 80)
Para a manutenção dos Acervos de Arquitetura e Urbanismo a dimensão da pesquisa e extensão é fundamental, pois para preservar uma coleção e, sobretudo difundi-la, é necessário conhecê-la em profundidade, de modo que as pesquisas norteiam a própria existência da coleção. Trata-se de acervos que fomentam a produção de conhecimento, contribuindo, nos últimos anos, acentuadamente na produção de teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso e artigos publicados em periódicos. De modo que notamos o papel e relevância dos acervos de arquitetura e urbanismo vinculados a importantes pesquisas sobre o tema, e que só se tornam possíveis através destes acervos. Tendo em vista que:
Los planos, documentos y fotografías forman parte indiscutible del patrimonio cultural no sólo del país que lo alberga sino del ámbito internacional, porque constituyen una fuente inagotable de investigación. Sin duda, son la fuente primaria de donde parten los estudiosos de arquitectura para después continuar con las demás actividades que les demande sutrabajo. A través de su estudio se puede comprender el pasado y lograr su reconstrucción, no sólo desde el punto de vista arquitectónico o urbanístico, sino desde una perspectiva cultural, social y económica. (FRANCO, 2004, p. 155)
Eduardo Augusto Costa, pesquisador da FAUUSP, em seu artigo Arquivos e coleções de arquitetura (2017), afirma ainda que, “Pensar a memória e o patrimônio arquitetônico, assim como a sua produção contemporânea, pressupõe um olhar crítico sobre seus documentos, suportes, práticas e meios de produção.” (COSTA, 2017). Ou seja, “A preservação dos conjuntos arquitetônicos ou mesmo das cidades, assim como as possibilidades de revisão da historiografia da arquitetura brasileira, está intimamente ligada ao conhecimento dos arquivos e coleções preservados e disponibilizados.” (Ibid., 2017).
Trata-se do potencial investigativo proveniente dos arquivos, o que “(...) proveerá una dirección, una estrategia y las bases específicas para el extenso universo de los registros, y contribuirá a una postura fundamentada en la investigación y no sólo en la “capacidad de resguardar.”(COOK, p. 142 apud HERNÁNDEZ, 2020, p. 125). De modo que acervos possuem papel fundamental na constituição, sobretudo, de revisões historiográficas da arquitetura, contribuindo na produção de conhecimento com base nas formulações dos historiadores e pesquisadores dedicados à história, teoria e preservação da arquitetura. Isto é, “Tais acervos são essenciais à investigação em fontes primárias, procedimento metodológico imprescindível para o desenvolvimento de leituras sobre a história da arquitetura brasileira.” (IAB/SP, 2020).
Neste sentido, os mapas, plantas, maquetes, memoriais técnicos, croquis e desenhos reunidos nestes acervos constituem uma referência fundamental na base de investigação no campo da arquitetura e urbanismo, em particular, como foi colocado, quanto a sua historiografia; tendo em vista que, como apontado pelo arquiteto e professor Gustavo Rocha Peixoto: “(...) não apenas para a história da arte, mas para toda forma de história social a sistematização das coleções tem representado um instrumento de controle dos fatos.” (PEIXOTO, 2010). Portanto, este tipo de acervo se encontra atualmente intrinsecamente ligado à produção de conhecimento, fornecendo subsídios à produção científica. Sobre o potencial de questionamento propiciado pelos acervos, Fernanda Hernández apresenta alguns, tais como:
¿los agentes partícipes de lo arquitectónico?, ¿los objetos producto de los proyectos arquitectónicos (planos, maquetas, dibujos y lo construido –es decir, los edificios–)? ¿Qué manifestaciones materiales son características de un periodo? Los medios de difusión de dichos objetos, ¿son importantes? ¿Quiénes son los personajes representativos de la disciplina (arquitectas(os) o no)? ¿Cuáles son sus obras características? ¿Cuáles son las incidencias económicas, sociales y políticas que se relacionan con los objetos de estudio? (HERNÁNDEZ, 2020, p. 125)
A valorização dos arquivos arquitetônicos em seu sentido mais amplo aponta, portanto, para fontes de conhecimento e informações do desenvolvimento e história dos processos construtivos, sendo tão relevantes para a compreensão da história, crítica e processos referentes à arquitetura quanto às obras propriamente construídas. Em outras palavras, arquivos e documentos referentes à arquitetura e urbanismo, vinculados a arquitetos e seus projetos arquitetônicos, são seus testemunhos, necessariamente entrelaçados ao pensamento arquitetônico presente nas obras, portanto, constituem-se como bens culturais.
Referências
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Fontes das imagens
Figura 1: Acervo: Arquivo Nacional.
Figura 2: Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Figura 3: Acervo: Arquivo Público do Distrito Federal.
Figuras 4 e 5: Acervo: Arquivo Público Mineiro.
Figura 6: Acervo de projetos FAU USP.
Figuras 7 e 8: Acervo: Núcleo de Pesquisa e Documentação/ FAU – UFRJ.
Figuras 9, 10 e 11: Acervo: Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos da EAD/UFMG.