Midiatização e política como relações para pensar os dilemas do espaço público na era da digitalização


Mediatization and politics as relations to think the dilemmas of public space in the age of digitization


Mediatización y política como relación para pensar los dilemas del espacio público en la era de la digitalizacion


DOI: https://doi.org/10.18861/ic.2019.14.2.2912

JAIRO FERREIRA

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4540-0572

jferreira@unisinos.br - Editor Convidado / Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil.


Este volume de InMediaciones de la Comunicación busca novas reflexões a partir das relações entre processos midiáticos, midiatização e política. A edição abrange diversas formulações sobre essas relações, em ângulos produtivos, complementares e agonísticos entre si, com recorte especificamente teórico ou teórico-empírico. A ordem dos artigos busca dar conta dessa diversidade, sugerindo uma inteligibilidade interpretativa que se soma conforme se realiza a leitura dos artigos. Antecipadamente, como editor, acentuamos a importâncias das várias hipóteses sobre esses processos que relacionam midiatização e política. Se pesquisar é formular hipóteses, as hipóteses apresentadas neste número de InMediaciones de la Comunicación se constituem num belo “balaio” para referenciar pesquisas, incluindo as agonísticas internas de cada investigação e os debates entre pesquisadores preocupados com essa temática (midiatização e política).

O dossiê começa com o artigo de reflexão teórica de Eduardo Vizer (Universidad de Buenos Aires, Argentina) e Helenice Carvalho (Universidade Federal Rio Grande do Sul, Brasil), que argumentam que o “espírito da época”, o zeitgeist de nossos tempos, se manifesta predominantemente nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), nas redes sociais, na crescente digitalização da informação e na própria produção material. Para os autores, vivemos em um mundo virtual de telas onipresentes: “Um mundo imaterial de informações que condiciona todas as formas de realidade, governadas por algoritmos, interfaces, pixels, imagens”.

Por sua parte, o artigo de Paula Paes (Universidade Federal da Paraiba, Brasil) trabalha sobre as relações entre midiatização e espaço público. Contrapondo dois teóricos (Bernard Miège e Peter Dahlgren), Paes busca inferências sobre as mutações do espaço público, recorrendo a reflexões aproximadas a sua abordagem. A hipótese central é sobre a fragmentação do espaço público. Essa fragmentação está relacionada a proliferação de meios, que desdobra os espaços públicos em diversas tonalidades e formatos, onde se observa e se acentua, referenciada em Miege, “o aumento do número de atores na produção de mensagens, o entrelaçamento de práticas profissionais e não profissionais na produção de conteúdo e a dimensão societal das ações de comunicação”, o que, em relação com a perspectiva de Dahlgren, pode ser questionado em termos estruturais, espacial (escala) e comunicacional.

O terceiro artigo, de Rita Figueiras (Universidade Católica Portuguesa, Portugal), também reflete sobre o espaço público, com suas relações com os mercados econômicos, em acionamento do jornalismo. O artigo desenvolve uma reflexão sobre as transformações da política, no contexto neoliberal. A nova conjuntura não permite mais compreender, em sua hipótese, os média como referência acionadora do espaço público democrático (ou como formas “que os instituíram como uma instância autónoma fundamental para a garantia do bom funcionamento da sociedade democrática”). A hipótese conclusiva de Figueiras é que:

As mudanças nas relações entre o capital, o estado e os media, nomeadamente após a crise económica da Zona Euro na europa, sugerem que o espaço para o interesse público fora dos interesses privados das elites económicas, políticas e dos media é cada vez menor. Esta tendência tem similitudes com os tempos pré-democráticos teorizados por Colin Crouch. Sob uma orientação neoliberal, o jornalismo, em vez de se orientar para representar o interesse público ou as perspectivas da sociedade civil e de outras instituições de prestação de contas, é instigado a produzir narrativas em conformidade com o status quo neoliberal.

O artigo de Tiago Quiroga (Universidade de Brasília, Brasil) formula uma hipótese sobre a pólis que emerge dos processos midiáticos contemporâneos, em especial na esfera do conhecimento: “a progressiva desoneração do entendimento humano quando das lógicas avaliativas que envolvem sua produção”. Relacionando inteligência artificial e critérios avaliativos mensurados de forma contábil, Quiroga propõe que há um encurtamento da dimensão humana desse conhecimento legitimado, desconstituindo-se por essa via a dimensão política dos campos científicos:

O problema pode ser observado segundo a ampla disseminação das plataformas digitais no campo do trabalho, que instauram e reconhecem, na nova dimensão organizativa da comunicação, um saber decisivo ao funcionamento das instituições. Nesse caso, passa a predominar a rarefação do traço que então promovia a diferença entre “trabalhadores intelectuais e operadores de máquinas. (Sodré, 2014, p. 100)

Rafael Grohmann (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil) também aborda a questão da dataficação, no contexto da imbricação da circulação de capital (incidindo, também, no foco presente no artigo de Figueiras) e circulação de sentidos. Sua hipótese é de que a comunicação “sedimenta os sentidos da racionalidade liberal”. Essa processos, entretanto, não é homogêneo e unidimensional, conforme Grohmann. Novas formas de resistência, possíveis pela circulação de sentidos (“A circulação comunicacional é, então, uma circulação de lutas por sentidos”, diz ele), são observáveis e passíveis de apreensão por epistemologias que estejam sensíveis a essas mutações, inclusive em suas metodologias, quando abordam os empíricos em processo.

O artigo de Luiz Signates e Paulo Campos (Universidade Federal de Goiás, Brasil) é um exercício reflexivo-inferencial a partir do conceito de dispositivos interacionais (Braga) como referência para a análise das eleições em 2016 (no município de Goiânia, estado de Goiás) e 2014 (eleições presidenciais). Os autores concluem que o conceito é fecundo para análise de processos políticos-eleitorais, em especial quando ampliado ao conceito de circuitos comunicacionais. O acento sobre a fecundidade epistemológica é acentuada pelos autores:

O dispositivo interacional é um conceito avançado e complexo, porque permite superar a ideia de que os fatos comunicacionais sejam provocados sempre pelos grandes meios ou grandes corporações do business que os controlam –mesmo se reconhecendo nestes uma possibilidade grande de funcionarem também como dispositivos. Por ele se pode mapear os fatos como processos, em recortes empíricos possíveis, em que vários vetores interferem, mesmo que haja um em especial, central, que dê partida e que esteja vinculado a tudo que se torna observável, a partir de então. Esta centralidade é necessária para permitir recortes observáveis, que são os vínculos de vetores com esta matriz central.

Num caminho original para formulações sobre as relações entre midiatização, Luis Mauro Sá Martino (Faculdade Casper Líbero, Brasil) busca relações cruzadas entre uma prática social da cultura (o pop) e a questão política. Numa articulação complexa, Martino ensaia suas reflexões pelos caminhos em que identifica aproximações da política com formas de entretenimento, a politização do entretenimento e os limites dessas relações, na medida em que envolvem também as autonomias relativas dos dois campos. Nas suas conclusões, Martino sugere a força dessa autonomia, apesar das interpenetrações que sugere:

Observar as relações do entretenimento com a política significa, também, especificar quais aspectos desses dois termos são colocados em contato. Não é, evidentemente, o conjunto do sistema político que se relaciona com o entretenimento; boa parte das tomadas de decisão política acontece efetivamente fora dos espaços de divulgação pública da mídia. As relações entre entretenimento e democracia apresentam-se como uma forma específica de midiatização da política, não sua totalidade.

O artigo de Santiago Castello Heymann (Universitat Pompeu Fabra, Espanha) também analisa uma campanha presidencial (A campanha de Maurico Macri em 2015, Argentina), embora seu interesse seja refletir sobre a “memória traumática” como expressão do espaço biográfico de candidatos e líderes políticos, e, no caso específico de Macri, como estratégia de construção de personalidade e liderança durante a campanha. O artigo aborda quatro dimensões que, em opinião de Castelo, caracterizam a apresentação de si: vitimização, humanização, compaixão e superação.

Esse volume de InMediaciones de la Comunicación finaliza com o artigo de Goran Bolin e Per Ståhlberg (Södertörn University, Suécia), onde os autores abordam a construção da ideia de Nação na Ucrânia. Esse projeto nacional procura superar, acentuam os autores, a longa experiência de domínio do império Russo e de Habsburg, e, posteriormente, da União Soviética. Os autores refletem sobre as formas de construção desse projeto, onde há uma oferta direcionada ao exterior (imagem para o mundo circundante) e, ao mesmo tempo, articuladora do necessário coesionamento interno (da comunidade). Refletindo sobre isso em torno de três temas agência, audiência e identidade– os autores especificam essa experiência social, para concluírem sobre a relação entre Nação e midiatização, na medida em que aquela é indissociável das imagens-marcas construídas pelas agências envolvidas, especialmente neste século.


REFERÊNCIAS CITADAS

Sodré, M. (2014). A ciência do comum: notas para o método comunicacional. Petrópolis, RJ: Vozes.


IDENTIFICAÇÃO DO EDITOR CONVIDADO

Pós doutor em Comunicação pela Universidad Nacional de Rosario (UNR), Argentina. Doutor em Informática na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil, com estágio nos Arquivos Jean Piaget e na Unidade de Tecnologias Educacionais da School of Psychology and Education, University of Geneva (2000), Suíça. Mestre em Sociologia (UFRGS, 1997). Formado em Jornalismo (UFRGS, 1982) e Ciências Econômicas (UFRGS, 1992). Professor Titular I do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Brasil. Em 2001, Prêmio CAPES-PAPED (Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nivel superior-Programa de apoio à pesquisa em educação a distancia). Coordena o projeto “Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais” (https://www.midiaticom.org/seminariointernacional/). Coordenou o Projeto intitulado: “Crítica epistemológica. Análise de investigações em curso, com base em critérios epistemológicos, para desenvolvimentos reflexivos e praxiológicos na pesquisa em Comunicação”, com pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e UNISINOS. Coordenou também o Projeto Escola de Altos Estudos intitulado: “Midiatização, técnica e tecnologias de informação e comunicação”, que contou com a participação de Bernard Miàge, Serge Proulx e Patrice Flichy. Organizou onze livros e tem cerca de 100 capítulos e artigos publicados em torno dos temas epistemologias da comunicação e midiatização. Atua principalmente nos seguintes temas: midiatização e processos sociais e epistemologia da comunicação.


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