Neoliberalismo e reconfiguração das condições estruturais de mediatização política


Neoliberalism and reconfiguration of the structural conditions of political mediatization


Neoliberalismo y reconfiguración de las condiciones estructurales de la mediatización política


DOI: https://doi.org/10.18861/ic.2019.14.2.2914


RITA FIGUEIRAS

ritafigueiras@fch.lisboa.ucp.pt - Universidade Católica Portuguesa, Portugal.

ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8092-2264


Fecha de recepción: 14 de septiembre de 2019

Fecha de aceptación: 11 de noviembre de 2019


RESUMO

As dinâmicas do capitalismo têm sido sub-pesquisadas nos estudos em mediatização e este artigo pretende contribuir para preencher algumas lacunas a este respeito, integrando um ângulo crítico da economia política na análise dos processos de mediatização. Para tal, centramos o nosso foco nas condições em que o jornalismo é atualmente exercido e de que modo tais condições alteram a mediatização da política. O artigo argumenta que o ambiente neoliberal onde os media operam está a reconfigurar o papel do jornalismo no processo de mediatização política. Em vez de expressar preocupações críticas e orientar-se para representar o interesse público, ou as perspectivas da sociedade civil e de outras instituições de prestação de contas, existe uma elevada pressão para que os media trabalhem como agentes de colonização interna do neoliberalismo. Argumentamos que, enquanto produtores de sentido, os media reforçam e naturalizam o neoliberalismo em benefício da mundividência das elites políticas e económicas neoliberais.

PALAVRAS-CHAVE: neoliberalismo, mediatização da política, jornalismo, crise económica.


ABSTRACT

Dynamics of capitalism have been under-researched within mediatization studies and this paper aims to contribute to filling in some blanks in this regard, by including a critical political economy angle into the mediatisation approach undertaken. In order to do this, the paper focuses on the neoliberal order and explores how such an environment changes the settings in which the mediatisation of politics takes place. The article argues that the neoliberal order in which the media operate is reconfiguring the role of journalism in the mediatisation process. Instead of expressing public concerns and public interest, or perspectives of civil society and other accountability institutions, there is a high level of pressure for the media to perform a role as a colonizing agent of neoliberalism. Hence, as producers of meaning, the media tend to reinforce and naturalize a neoliberal culture in benefit of political and economic elites’ worldviews.

KEYWORDS: neoliberalism, mediatization of politics, journalism, economic crisis.


RESUMEN

La dinámica del capitalismo ha sido poco investigada en los estudios dedicados a pensar la mediatización. Este artículo pretende contribuir a llenar algunos vacíos tomando en cuenta una perspectiva crítica de la economía política en el análisis de los procesos de mediatización. El interés está centrado en analizar las condiciones bajo las cuales se practica el periodismo actual y cómo estas condiciones alteran la mediatización de la política. El artículo sostiene que el entorno neoliberal en el que operan los medios está reconfigurando el papel del periodismo: en lugar de expresar preocupaciones críticas y orientarse para representar el interés público, o las perspectivas de la sociedad civil y otras instituciones de rendición de cuentas, existe una gran presión para que los medios trabajen como agentes de colonización interna del neoliberalismo. Se argumenta que, como productores de significado, los medios refuerzan y naturalizan las políticas neoliberales en beneficio de la cosmovisión de las élites políticas y económicas que promueven dichas políticas.

PALABRAS CLAVE: neoliberalismo, mediatización de la política, periodismo, crisis económica.


  1. INTRODUÇÃO

O modelo do quarto poder da imprensa, forjado no mundo ocidental durante o século XVIII, estabeleceu a liberdade dos media –e, em particular, a liberdade de expressão– como um dos pilares mais importantes de uma democracia sólida. Sob esta concepção, o jornalismo assumiu um conjunto de responsabilidades políticas fulcrais na sociedade, nomeadamente, de agente que serve e protege os interesses dos cidadãos comuns contra os abusos políticos do poder –transgressões que minam os alicerces dos regimes democráticos (Norris, 2000; Curran, 2011).

Durante muito tempo, este entendimento foi encarado quase como garantido em democracias bem estabelecidas, mas, na última década, a liberdade e a independência dos media começaram a enfrentar uma espiral descendente (Relatório da Freedom House sobre a Liberdade e os Media, 2019), acompanhando as tendências verificadas nas democracias liberais. De acordo com o relatório da Freedom House sobre liberdade no mundo, publicado no primeiro semestre de 2019, as democracias estão a sofrer um declínio nos direitos políticos e nas liberdades civis, mesmo em países onde o domínio democrático existia há décadas.

A liberdade de imprensa é cada vez mais ameaçada pela polarização do cenário político, pelo estabelecimento de governos populistas e pela ascensão de partidos que se situam nos extremos do espectro político (extrema-direita e extrema-esquerda). A capacidade destas forças emergentes influenciarem as agendas institucionais, nomeadamente, dos partidos políticos e dos meios de comunicação mainstream, está, igualmente, a contribuir para minar os alicerces dos regimes democráticos.

A polarização crescente dos media, que pode ser descrita como uma complexa mistura de ideologia política e estratégia económica sob a ordem neoliberal, também tem comprometido a liberdade dos media e as preocupações associadas ao interesse público. O aumento da polarização social está a abrir o caminho a projetos jornalísticos que operam sob a lógica do particularismo e da exclusão, e que não atuam como uma esfera de representação de diversas visões ideológicas, sociais e culturais. O exemplo mais emblemático deste tipo de meios de comunicação é o da estação televisiva de notícias norte-americana Fox News, porque foi um dos primeiros meios com este posicionamento ideológico-editorial, o que lhe granjeou uma elevada notoriedade internacional. Este meio de comunicação assumiu que o seu trabalho visava, acima de tudo, não informar, mas confirmar as mundividências dos seus espectadores. Para tal, afastou-se do ethos jornalístico –assente na equidistância e isenção no tratamento dos temas– aproximando-se da luta política engajada. Deste modo, assumiu-se como um ator político interventivo, contribuindo para a sectarização ideológica da sociedade norte-americana (Martin & Yurukoglu, 2017; Bard, 2017).

Neste contexto de crescente polarização mediática, importa considerar a situação dos meios de comunicação mainstream. Se as grandes empresas de media já estavam a ser desafiadas por problemas financeiros antes de 2008, a precariedade do setor aumentou significativamente com o colapso do sistema financeiro americano, aquando da queda do Lehman Brothers. Muitas empresas de media, especialmente as que operam no setor da imprensa, enfrentaram um declínio na publicidade e no número de leitores, muitos dos quais começaram a aceder à informação sem pagar por ela nos medias sociais. Isso levou a uma história já conhecida: fecho de jornais, redução do tamanho das redaçōes e diminuição do número de páginas por edição. Por sua vez, a maioria das publicações que sobreviveram continuam a enfrentar tempos difíceis, uma vez que a precarização da profissão jornalística, a perda de profissionais e outros recursos importantes comprometem o trabalho diário e a capacidade da imprensa monitorar “as atividades de grupos económica e politicamente poderosos” (Franklin, 2012, p. 3).

Tendo em conta que os media mantêm um conjunto de responsabilidades para com a sociedade, decorrentes da sua história e da posição que ocupam no mundo democrático, a expansão do ethos neoliberal na indústria dos media leva-nos a questionar as condições em que a mediatização da política é realizada no quadro das sociedades neoliberais. O neoliberalismo corresponde à intensificação da influência e do domínio do capital na vida coletiva, mas também a um conjunto de imperativos políticos e a uma lógica cultural (Harvey, 2005, p. 10). Deste modo, tendo por base a nova ordem neoliberal, que inclui a adaptação das democracias liberais ocidentais à lógica de funcionamento e aos valores neoliberais, este artigo explora a influência desta restruturação político-económica, mas também cultural, nos processos de mediatização da política pelo jornalismo.

Apesar de Frederich Krotz (2007) considerar a comercialização “o processo básico que fornece o estímulo a toda ação” (p. 259), a dimensão económica e a dinâmica do capitalismo têm tido escassa atenção nos estudos de mediatização. Apenas recentemente tem sido dada atenção a esta dinâmica, nomeadamente nos trabalhos de Graham Murdock (2017) e Karin Fast (2018). As dinâmicas do capitalismo têm sido, portanto, sub-pesquisadas nos estudos em mediatização e este artigo pretende contribuir para preencher algumas lacunas a este respeito, integrando um ângulo crítico da economia política na análise dos processos de mediatização. Para tal, centramos o nosso foco nas condições em que o jornalismo é atualmente exercido e de que modo tais condições alteram a mediatização da política. O artigo argumenta que o ambiente neoliberal onde os media operam está a reconfigurar o papel do jornalismo no processo de mediatização política. Em vez de expressar preocupações críticas e orientar-se para representar o interesse público, ou as perspectivas da sociedade civil e de outras instituições de prestação de contas, existe uma elevada pressão para que os media trabalhem como agentes de colonização interna do neoliberalismo. Deste modo, argumentamos que, enquanto produtores de sentido, os media reforçam e naturalizam o neoliberalismo em benefício da mundividência das elites políticas e económicas neoliberais.

Para desenvolvermos este argumento, dividimos o artigo em três partes. Começamos por discutir o contexto sócio político prevalecente nas sociedades ocidentais, focando a nossa atenção nos conceitos de neoliberalismo e de pós-democracia. De seguida, o debate sobre a mediatização da política que realizamos na segunda secção do texto, antecede a reflexão sobre os media sob a ordem neoliberal e as breves notas finais do texto.


  1. O NEOLIBERALISMO E A PÓS-DEMOCRACIA

A tensão endémica no tecido político-económico das sociedades democráticas capitalistas avançadas atingiu um novo pico aquando da grande recessão (Reinhart & Rogoff, 2009). Apesar de historicamente recorrente desde o século XIX, o colapso do sistema financeiro americano escalou, em 2008, de um distúrbio na ordem socioeconómica para uma crise económica e política de dimensões globais, apresentando riscos crescentes para as economias e para as democracias.

A grande recessão acelerou algumas das mudanças em curso nas democracias europeias estabelecidas após a II Guerra Mundial. Wolfgang Streeck (2011; 2013; 2014) descreve essas mudanças como o mais recente desenvolvimento de uma tensão de longa duração entre capitalismo e democracia, com o capitalismo a ganhar vantagem, ainda que muitas vezes possa parecer que este regime chegou a um beco sem saída. 

O capitalismo sempre precisou de estar em constante expansão para florescer, mas para expandir sempre precisou, também, de um grau de controle e redistribuição democráticos de modo a que as desigualdades produzidas por este sistema económico fossem mantidas em um nível gerenciável dentro das regras e valores democráticos. No entanto, com a chegada de uma nova era de austeridade, ou seja, com a crise de 2008, a capacidade dos estados em mediar os direitos dos cidadãos e as demandas impostas pela expansão do capital ficou severamente comprometida. Essa capacidade foi ainda mais afetada à medida que os políticos voltaram a sua atenção para as exigências do capital em detrimento da salvaguarda dos direitos democráticos dos cidadãos.

Streeck argumenta que os excessos do próprio capitalismo começaram a minar severamente o capitalismo democrático. Como a redistribuição deixou de ser uma preocupação dos governos, o conflito entre capitalismo e democracia na era neoliberal começou a minar o regime democrático e a corroer o poder dos estados, ameaçando, assim, o equilíbrio sobre o qual o capitalismo prosperou no passado.

Este ambiente tem acelerado o caminho para o que Colin Crouch (2004) cunhou como a era da pós-democracia. Desde a década de 1980, as democracias europeias enfrentam um processo de mudança e testemunham a erosão do modelo de social-democracia que foi estabelecido após a II Guerra Mundial. Isso deve-se à crescente privatização da política, que alcançou novos patamares no século XXI, tendência que foi particularmente “agudizada com a crise de 2008” (Crouch, 2011, p. 19).

Sob o modelo da pós-democracia, as instituições democráticas prevalecem –há eleições livres, rotação de governos e liberdade de expressão. Todavia, as instituições democráticas parecem estar a perder algumas das suas fundações, que enfrentam processos de erosão à medida que o poder e a dinâmica dos regimes democráticos se estão a afastar das arenas democráticas e a aproximarem-se de pequenos círculos de elites políticas e económicas que frequentemente operam para além do escrutínio democrático, como nas eras anteriores à edificação do próprio regime democrático. Neste novo enquadramento, os governos perderam o grau de controle que tinham no passado sobre os seus estados-nação. Esta alteração está relacionada com o papel crescente do poder político das grandes corporações empresariais, mas também com a transferência de poder de decisão para instituições supranacionais como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a União Europeia.

Com a globalização da economia, importantes decisões económicas começaram a ter lugar a um nível para além do escopo da democracia, porque as democracias europeias, tal como referido, funcionam cada vez mais a níveis que ultrapassam o poder dos estados-nação. Neste contexto, os governos aproximaram-se e tornaram-se mais dependentes de corporações internacionais. Como os países precisam de investimento em larga escala de empresas internacionais, estas empresas ganharam uma influência sem precedentes sobre decisões políticas e políticas públicas. A grande recessão reforçou, portanto, o conflito endémico entre os dois grandes princípios distintos que estavam no centro do capitalismo democrático: os mercados capitalistas e a política democrática. Wolfgang Streeck (2011) explica de modo claro como este dilema se tornou um fator altamente perturbador na europa pós-2008:


No capitalismo democrático, os governos são teoricamente obrigados a honrar os dois princípios simultaneamente, embora substancialmente os dois quase nunca se alinhem. Na prática, podem por um tempo negligenciar um em favor do outro, até serem punidos pelas consequências: os governos que não atenderem a reivindicações democráticas de proteção e redistribuição correm o risco de perder a maioria, enquanto os que desconsideram os pedidos de indemnização dos proprietários de recursos produtivos, expressos na linguagem da produtividade marginal, causam disfunções económicas que se tornarão cada vez mais insustentáveis e, portanto, também minarão o apoio político. (Streeck, 2011, p. 7)


Tal como já mencionado, a crise económica e financeira iniciada em 2008 aumentou ainda mais a dependência dos governos das grandes empresas, enquanto o grau de controle sobre os estados-nação diminuiu e a salvaguarda dos direitos democráticos dos cidadãos ficou comprometida. Isto foi ainda mais evidente nos países endividados da Zona Euro, como foram os casos de Portugal, da Irlanda, da Espanha e da Grécia.

Para lidar com a crise, as instituições da zona do euro projetaram um modelo de austeridade a ser implementado pelos governos nacionais e baseado em cortes nos gastos públicos, mudanças nas políticas sociais e aumento de impostos. No entanto, a chegada de uma nova era de austeridade comprometeu gravemente a capacidade dos estados nacionais em mediar os requisitos de acumulação de capital e os direitos dos cidadãos. Como os cidadãos se recusaram a desistir da ideia de uma economia moral, com direitos a prevalecerem sobre os resultados das trocas de mercado, a primazia do interesse público e do social sobre o económico tornou-se o lema subjacente à onda de protestos que irromperam em variados países europeus (Figueiras & Espírito Santo, 2016). Neste ambiente de elevada tensão, a integração social tornou-se precária e colocou em risco a legitimidade democrática dos governos europeus tanto quanto a própria economia.

As relações entre capital, estado e media são bastante complexas e as tendências mencionadas nas sociedades ocidentais tornaram-se um contexto reconfigurador do papel do jornalismo no processo de mediatização da política. Questão que abordamos na secção seguinte deste artigo.


  1. A MEDIATIZAÇÃO DA POLÍTICA

A mediatização teoriza o processo pelo qual as práticas quotidianas e as relações sociais nas sociedades contemporâneas estão crescentemente interligadas às tecnologias e às organizações de media (McQuail, 2010; Livingstone, 2010: Krotz, 2017). Podemos perspetivar a tradição europeia de pesquisa empírica em mediatização em três níveis: um nível macro, que remete para um entendimento do conceito como um metaprocesso; um nível meso, considerando as atividades de instituições e organizações; e um nível micro, no que se refere às pessoas, suas ações e seus processos de tomada de sentido. Cada uma das perspetivas assenta em abordagens epistemológicas específicas, que, por sua vez, são passíveis de se relacionar com posições ontológicas básicas distintas, variando nos seus pontos de vista sobre a relação entre os meios de comunicação e a sociedade: como podemos entender essa relação?; o que é o possível impacto dos meios de comunicação na sociedade?; ou que papéis atribuímos aos meios de comunicação nos processos de mediatização? Cada uma destas perspetivas abre possibilidades para diferentes conjuntos de questões de investigação.

Por sua vez, a tradição latino-americana coloca o enfoque na dimensão dos processos mais difusos na sociedade. Isto significa que o entendimento abarca processos que acontecem mesmo quando não estamos diante dos media. Como salienta Braga (2012):


hoje, o que atrai fortemente nossa atenção são esses processos –cujas ações não se restringem ao objeto “meios” nem ao objeto “receptores e suas mediações”, mas os incluem, a ambos, em formações muitíssimo diversificadas e ainda articulados a outras formações. (2012, p. 35)


Neste âmbito destaca-se o conceito de circulação: com a percepção de que os receptores são ativos, a circulação passa a ser vista como o espaço do reconhecimento e dos desvios produzidos pela apropriação. Aparece então “como resultado da diferença entre lógicas de pro-cessos de produção e de recepção de mensagens” (Fausto Neto, 2010, p. 10).

Ambas as tradições convergem no entendimento de que o conceito de mediatização descreve e explica teoricamente um processo de longo prazo que interliga dimensões e níveis de mudança económicos, sociais e culturais.  Nas sociedades modernas, a globalização (Petras, 1993; Giddens, 2001), a individualização (Beck & Beck-Gernsheim, 2002) e a comercialização (Schiller, 1989; Sennett, 2005) são entendidas como meta-processos relevantes que estruturam e influenciam as mais variadas dimensões sociais da vida. O processo de comercialização é fundamental na análise da economia política dos media. Este é um processo que combina também a globalização como força fundamental para compreender a racionalidade das indústrias dos media que operam a uma escala transnacional (Schiller, 1989; Chan-Olmsted & Albarran, 1998; Picard, 2015; Hardy, 2008; Tunstall, 2008).

No âmbito dos estudos da mediatização política há um grupo específico de organizações de media que são particularmente relevantes –os media noticiosos. Os media constroem uma determinada realidade política ao usar determinados quadros explicativos (enquadramentos) que são negociados com os atores políticos (interação entre os media e a política) e que impõem uma certa definição da realidade (definição da agenda pública). As regras envolvidas na cobertura política incluem, pelo menos, “três sistemas de regularidades interligados” (Marcinkowski, 2014, p. 7): regularidades de seleção – escolha consciente de eventos, situações e questões para informação pública; regularidades de narração –forma de contar as estórias que obedece a uma estrutura sequencial padronizada, e, regularidades de interpretação– construção padronizada de significados. Os media usam estas rotinas para selecionar e apresentar ao público os assuntos públicos em formatos familiares. 

Estes sistemas de regularidades interligadas permitem agrupar as organizações de notícias como uma instituição inter-organizacional, ou seja, como uma instituição única, porque as suas organizações constituintes –que vulgarmente designamos por meios de comunicação, media noticiosos ou simplesmente media– são estruturadas da mesma forma, seguem normas comuns do que é considerado um comportamento profissional adequado, operam em ambientes económicos e políticos semelhantes e adoptam as mesmas regras básicas sobre o que consideram importante e interessante para ser considerado notícia (Cook, 2005; Esser, 2013). Dito de outro modo, independentemente do meio onde trabalham, o jornalismo profissional partilha um conjunto de valores quando selecionam os acontecimentos (critérios de noticiabilidade), quando interagem com as fontes de notícias (intercâmbio de informações) e quando seguem um conjunto de enquadramentos na produção noticiosa (construção de estórias).

A autonomia dos media de outras áreas de atividade da sociedade pressupõe que os meios de comunicação são regidos pelos seus próprios interesses, normas e regras. Estas leis internas, designadas por lógicas dos media, foram teorizadas pela primeira vez por David Altheide e Robert Snow (1979). As lógicas dos media noticiosos são o produto da interação entre três dimensões: aspectos profissionais, comerciais e tecnológicos (Strömbäck, 2008; Esser, 2013). No seu conjunto, estas três forças possibilitaram o processo histórico de diferenciação dos media na sociedade. 

O processo de diferenciação social instigado pela modernização foi fundamental para sustentar o pensamento político de filósofos oitocentistas como Jeremy Bentham, James Mill ou John Stuart Mill, que entendiam a autonomia dos meios de comunicação como condição essencial para cumprirem um novo papel de quarto poder (Norris, 2000). 

Na emergente esfera pública, teorizada por Jurgen Habermas (1984), os jornais passaram a ter um papel importante na transformação dos padrões de comunicação nas sociedades modernas. Os media passaram a assegurar os direitos de informação (no duplo direito de informar e ser informado) e os direitos cívicos e políticos de expressão, de publicação e organização. Deste modo, começaram a funcionar como uma instância de socialização dos valores modernos, disseminando na sociedade uma cultura pública crítica e ancorada no debate de ideias. Paralelamente, os jornais produziram um impacto político nas primeiras experiências de governação democrática dos estados modernos, que tiveram de aprender a conviver com a crítica, tornando-os mais abertos à discussão e obrigando-os a um maior cuidado com a opinião pública (Garnham, 2000; Keane, 2002). 

A afirmação dos media noticiosos enquanto campo social autónomo decorreu da sua emancipação da esfera política (deixando de ser uma extensão da política partidária ou de estar sujeita ao controlo político) e da esfera literária (deixando de ser dominado pela escrita literária e por escritores) (Chalaby, 1996). Deste modo, a afirmação enquanto campo social decorreu também do entendimento dos media como uma instituição central no processo democrático. Assente em princípios como a liberdade de expressão e de imprensa, esta concepção sugere que os meios de comunicação devem ser um fórum cívico (garantir e encorajar o debate plural sobre os assuntos públicos), um agente mobilizador (contribuir para a participação dos indivíduos e para a consciencialização dos assuntos públicos que conduzam a uma melhor participação no processo político) e, simultaneamente, desempenhar o papel de watchdog (escrutinar o poder político contra os abusos de poder) (Norris, 2000, pp. 22-35). 

Este ethos profissional colocou expectativas muito elevadas na imprensa enquanto instituição basilar das sociedades democráticas. Ao mesmo tempo que a identidade do jornalismo se alicerçava na defesa do interesse público, era-lhe igualmente exigido que gerasse lucro suficiente, de modo a garantir a sua independência editorial. A articulação destas duas dimensões –defesa do interesse público e produção de recursos financeiros– tem, desde então, dado lugar a uma tensão crescente entre os três grandes componentes da lógica dos media –aspectos profissionais, comerciais e tecnológicos–, e transformou-a num conceito híbrido, composto por forças que convocam racionalidades difíceis de compatibilizar entre si e, em primeira instância, com a matriz democrática fundacional do jornalismo. 

A profissionalização dos media noticiosos implicou a separação da redação da propriedade dos meios e a institucionalização de práticas profissionais. Os jornalistas tornaram-se profissionais exclusivamente preocupados com a produção noticiosa. Este processo histórico permitiu a edificação das lógicas mediáticas noticiosas e  sinalizou também a sua demarcação e distanciação das duas esferas de onde a imprensa emergiu: da lógica política, ao assumir uma posição pública de imparcialidade e de vigilância contra os abusos de poder, e da lógica literária, ao utilizar uma escrita descritiva e centrada nos factos. Os media noticiosos constituíram o seu próprio corpo de profissionais que se dedicava em exclusivo à produção noticiosa, que obedecia a critérios de relevância instituídos pelos próprios meios de comunicação, assente em vários géneros jornalísticos que correspondiam a narrativas próprias para descrever a realidade.  

As características institucionais dos media (estruturas, procedimentos, regras) são assim fundamentais para compreender a mediatização. Por sua vez, os parâmetros dentro dos quais os meios de comunicação se tornaram forças modeladoras da atividade política nos diferentes países ocidentais, decorreu de um conjunto de padrões distintos de desenvolvimento relacionados com o estado, o sistema dos partidos políticos, o padrão das relações entre interesses económicos e políticos e o desenvolvimento da sociedade civil, entre outros elementos da estrutura social (Hallin & Mancini, 2004). No seu conjunto, estas dimensões estruturais fizeram emergir na sociedade ocidental modelos de democracia e de sistemas de media distintos que, por sua vez, produziram diferentes contextos para a mediatização da política pelo jornalismo.

Nas democracias ocidentais, os media noticiosos têm, assim, lógicas gerais comuns. Esta lógica é estável por longos períodos de tempo e está na base dos padrões de cobertura jornalística e das rotinas de mediatização da política. Todavia, apesar de ser estável, não significa que seja estática. Existem variações no tempo e no espaço e, por isso, as lógicas dos media devem ser entendidas como algo dinâmico. A mediatização da política é, então, produto de um processo de influências múltiplas e multimodais. Isto significa também que mediatização perspetiva-se em articulação com outros processos paralelos de mudança social. É nesta linha de raciocínio que neste artigo debatemos a influência do neoliberalismo e do ambiente pós-democrático, que caracterizam as sociedades ocidentais contemporâneas, como forças motrizes de reconfiguração do exercício do jornalismo e dos processos de mediatização política. Esta questão é objeto de análise na secção que se segue.


  1. OS MEDIA SOB A ORDEM NEOLIBERAL

Mudanças estruturais recentes no cenário político e dos media estão, portanto, a adicionar novas camadas de ameaça à liberdade dos media e a transformar as condições de mediatização da política. Estas mudanças já estavam em curso na década de 1990. A comercialização, a marketização e a concentração da propriedade dos meios começaram a promover uma produção de notícias centrada no entretenimento e orientada para o mercado. Isso começou a comprometer a diversidade, o pluralismo, a crítica e a qualidade jornalística, atributos noticiosos essenciais para a democracia, para além de ter contribuído para que os media se demitissem dos seus deveres de responsabilidade social (McChesney, 2001; Fenton, 2011; Curran, 2011; Esser & Neuberger, 2019; Robinson, 2019).

Esta tensão entre interesse público e interesse do capital tem sido tema de debate na europa desde o final do século XVIII, época em que a identidade dos media foi modelada para ser um dos elementos fundamentais na afirmação do novo regime democrático (Habermas, 1989; Keane, 2002). Dentro desse entendimento, os media ocidentais –e os media europeus em particular– sob a supervisão do estado, deveriam cumprir um papel de serviço público enquanto geravam lucro, a fim de garantirem independência editorial.

Esta prerrogativa normativa foi considerada essencial para o bem-estar a longo prazo da sociedade e dos seus membros e foi expressa em valores como pluralismo, diversidade, igualdade e qualidade da informação, inseridos numa agenda dos media definida pelo interesse público, em nome dos cidadãos. Esta lógica está relacionada com a atividade moral, interventiva e protetora do estado como proprietário, financiador e regulador do setor dos media, de modo a garantir e incentivar a liberdade de imprensa e a prevalência do interesse público –os princípios mais básicos das sociedades democráticas.

Se o papel dos media noticiosos foi moldado em torno da ideia de que o que era importante para a sociedade era importante para os media, o impulso comercial, juntamente com as ambições dos acionistas, alteraram esses princípios. A integração europeia na década de 1980 levou à criação de um mercado único e à harmonização da legislação entre os estados membros. Essa política, desde então, promoveu o desmantelamento da intervenção estatal nos media, a abertura dos mercados europeus de media à iniciativa privada e a comercialização do setor (Murdock & Golding, 1999; Hallin & Mancini, 2004). Além disso, promoveu a criação de grandes conglomerados devido à crescente concentração e transnacionalização das formas de propriedade com base nos processos de globalização, juntamente com a racionalidade financeira direcionada à aquisição e fusão de empresas numa integração vertical e horizontal das unidades de negócio (Doyle, 2002; Hardy, 2008).

À luz disso, o que se tornou bom para os negócios dos media não parecia mais levar em consideração o que era bom para a sociedade, conduzindo a uma ausência de responsabilidade dos media: “Existe uma comunicação responsável quando os autores (...) se orientam para o público e outras pessoas afetadas, e respondem às suas expectativas e às da sociedade em geral” (McQuail, 2003, p. 19). Dennis McQuail enfatizou que a globalização, juntamente com a comercialização e a concentração da propriedade, transformaram os media e afastou-os dos valores de interesse público.

No final da década de 1990, Manfred Knoche (2015) já discutia como os movimentos e as estratégias do capital estavam a transformar estruturalmente a indústria dos media com a ajuda do estado: “O estado está a atuar principalmente, mas não exclusivamente, como agente, ou seja, prestador de serviços em benefício do interesse do capital” (2015, p. 21), através de processos de privatização, desregulamentação e liberalização do setor.

Nesta linha de argumentação, nas últimas décadas tem-se formado um vasto e rico corpo de literatura para explicar porque é que os media ocidentais têm cada vez menor capacidade de cumprir um papel compatível com os requisitos de uma democracia estabelecida. A globalização, a comercialização, a marketização, a concentração de propriedade e a propriedade cruzada, e a Internet, juntamente com os modelos de negócios dos intermediários digitais, foram identificados como forças dominantes que transformam o cenário dos media sob a ordem neoliberal (McChesney, 2001; Hallin & Mancini, 2004; Fenton, 2011; Esser & Neuberger, 2019; Robinson, 2019; Waisbord, 2019).

Como uma das características mais salientes do final do século XX e do início do século XXI, o neoliberalismo tem conduzido as sociedades ocidentais à mudança gradual em direção a políticas económicas e sociais que promovem a desregulamentação, defendem a primazia do mercado e a retirada do estado de todas as esferas da sociedade (Harvey, 2005; Streeck, 2016; Rosa, Dörre & Lessenich, 2017), incluindo da esfera dos media.

A desregulamentação do setor dos media criou, no entanto, novas formas de re-regulação, que atendem aos interesses dos grandes grupos económicos. Favoreceu a criação de conglomerados de media que operam no mercado global, reduziu a concorrência no mercado e aprimorou uma orientação estratégica em direção a oportunidades de lucro. A concentração e a propriedade cruzada também levaram a uma “rede complexa de inter-relações” (McChesney, 2001, p. 10) associada ao abuso do poder dos media, transformando o poder dos negócios em alavancagem política.

Como argumenta David Harvey (2005), o neoliberalismo corresponde à intensificação da influência e do domínio do capital, mas também a um conjunto de imperativos políticos e a uma lógica cultural. Isto inclui um projeto para fortalecer o poder das elites económicas que, de acordo com Des Freedman (2015), inclui, igualmente, os media. Apoiado pela teoria da elite do poder, ou seja, pelo trabalho desenvolvido por Wright Mills (1956) em A Elite do Poder, Freedman explora como e porquê “as elites dos media ajudam tanto a ligar outras redes de poder quanto a legitimar um certo conjunto de ideias neoliberais” (2015, p. 2).

A elite do poder está vinculada pelos seus interesses mútuos, redes sociais e “adoção de ideologia e valores da elite” (Mills, 1956, p. 19). Ao apresentar exemplos variados de locais de negócios e encontros sociais em que elites de diferentes esferas do poder –media, economia, política– se reúnem para servir propósitos comuns e negociar diferenças (por exemplo, a reunião do Chipping Norton no Reino Unido), Freedman descreve o papel da “mentalidade de clube” (club mentality), perspetiva desenvolvida inicialmente por Mills. Encontros formais e informais, juntamente com o fenómeno conhecido por “portas giratórias”, em que representantes de um setor circulam para outro sector e muitas vezes acumulam presenças em diferentes círculos do poder, ilustram a natureza altamente interconectada dos membros dos conselhos de administração e a partilha dos mesmos acionistas em diferentes setores, incluindo empresas de media. Isto significa que as elites dos media, da economia e da política estão conectadas através de configurações estruturais de interesses mútuos e valores compartilhados de “criação de riqueza e tratamento de todas as formas de regulação como barreiras à inovação e ao dinamismo” (Mills, 2015, p. 7).

A tensão entre o lugar normativo dos media no contexto democrático e as premissas da ordem neoliberal significa que os mecanismos de responsabilização dos media estão cada vez mais comprometidos e se tornaram cada vez menos uma característica distintiva da democracia ocidental face a outros regimes políticos no mundo como acontecia no passado.

Segundo Dan Hallin e Paolo Mancini (2004), diferentes estruturas e culturas políticas históricas deram origem a distintos sistemas de media e estilos de jornalismo nas sociedades ocidentais que os autores tipificaram em três modelos de media e política:


o modelo liberal é caracterizado por uma dominância relativa dos mecanismos de mercado e dos media comerciais; o modelo democrático-corporativista pela coexistência histórica de meios comerciais e de meios ligados a grupos sociais e políticos organizados, e um papel relativamente ativo, mas legalmente limitado, do estado; e o modelo polarizado-pluralista pela integração dos media na política partidária, desenvolvimento histórico mais fraco dos media comerciais e um forte papel do estado. (2004, p. 11)


Esta tese da diferenciação seria, no entanto, ultrapassada por forças de homogeneização que corroeram algumas das especificidades mais distintivas dos modelos do norte da europa e do mediterrâneo. Se tendências desiguais estavam em ação no mundo, essas diferenças diminuíram com a intensificação do mercado global sob a ordem neoliberal – isto é, com a ascensão dos mercados financeiros internacionais e das empresas transnacionais, o que levou a distinções menos pronunciadas entre os sistemas dos media em diferentes lugares no mundo, convergindo-os, deste modo, para o modelo liberal.

O modelo liberal dos media, sintetizado comummente nos media americanos1 , incorporava uma cultura de independência dos meios do controlo do governo e uma concepção dos media como um agente de responsabilidade na sua capacidade de criticar a autoridade e manter um sentido de propósito público (Hallin & Mancini, 2004; Curran, 2011). Os media organizados enquanto um sistema de mercado livre –ou seja, o mercado livre como base para a liberdade dos media– foi fundamental para a sua independência em relação ao governo, partidos e outros atores políticos.

Além disso, a necessidade de negar os efeitos adversos promovidos pelo comercialismo sem envolver o estado foi assegurada por uma cultura de profissionalismo entre os jornalistas e o seu desejo de autonomia. No entanto, se um sistema baseado no mercado beneficiaria a separação entre os media e o poder político, a comercialização incentivaria a uma maior integração dos media na esfera económica. Portanto, a conjunção de uma maior pressão dos acionistas, de uma maior comercialização e de uma crescente competição entre os meios de comunicação e, mais recentemente, o domínio dos intermediários digitais, impulsionou o entrelaçar comprometedor do jornalismo ocidental com o poder económico e um sistema cultural neoliberal, em vez do desejo de servir a democracia.

A ordem neoliberal contribuiu para dispensar os media de suas obrigações de prestação de contas, ao mesmo tempo em que evidenciou uma dependência imbricada entre os media, o estado, liderado pelo governo, e as elites económicas. Este modelo “já existia no passado” (Curran, 2011, p. 44), mas foi potenciado com a nova era de austeridade, após o desmoronar do Lehman Brothers em 2008. 

Essa tendência pode ser observada, por exemplo, em vários estudos realizados sobre o colapso do sistema financeiro americano e a cobertura dos media europeus sobre a crise económica da Zona Euro. As dificuldades em empreender um jornalismo investigativo quando as redações cortam funcionários e o poder manipulador das relações públicas financeiras estão entre os principais fatores identificados pelas pesquisas para explicar porque é que o jornalismo económico falhou em reconhecer as evidências que davam conta da crescente possibilidade de colapso do sistema financeiro ocidental e porque é que a agenda dos media na crise da Zona Euro foi orientada para as elites políticas e económicas e para o consenso (Lloyd & Marconi, 2014; Bjerke & Fonn, 2015; Picard, 2015).

Isto significa que o jornalismo ocidental, embora com intensidades diferentes entre e os vários países, deixou de ser tão distinto de outros modelos quanto era no passado. Cada vez mais, o jornalismo praticado nos países ocidentais exibe características que a literatura científica costumava associar a outros sistemas de media no mundo (Curran, 2011). A crescente interligação entre elites de diferentes esferas do poder –media, economia, política– significa que estamos diante de uma configuração de media liberal ocidental que está cada vez mais próxima de um modelo de sistema de media “liberal capturado” (Guerrero, 2014; Albuquerque, 2017; Schiffrin, 2017). O sistema de media “liberal capturado” configura um modelo cujas alianças são primariamente orientadas para a elite do poder, o que fortalece a influência das elites económicas e diminui o poder político dos cidadãos e o sentido de interesse público (Mills, 1956; Freedman, 2015).


  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Num esforço analítico, cingimos a nossa reflexão neste artigo à mediatização produzida pelo jornalismo, edificando-o em duas grandes premissas: por um lado, no pressuposto de que os media e a política eram duas instituições distintas e, por outro, de que a mediatização diz respeito à política democrática (Mazzoleni & Schulz, 1999; Hajvard, 2008; Marcinkowski, 2014). É neste tipo de regime que os media podem ser autónomos e independentes do sistema político. Em qualquer outro tipo de configuração política, os meios de comunicação não têm margem de manobra suficiente para definirem e desenvolverem um conjunto de regras institucionais internas que obedeçam aos seus interesses específicos e às prerrogativas democráticas que os instituíram como uma instância autónoma fundamental para a garantia do bom funcionamento da sociedade democrática. 

Foi neste âmbito que o artigo examinou criticamente as questões associadas ao interesse público sob a ordem neoliberal. As mudanças nas relações entre o capital, o estado e os media, nomeadamente após a crise económica da Zona Euro na europa, sugerem que o espaço para o interesse público fora dos interesses privados das elites económicas, políticas e dos media é cada vez menor. Esta tendência tem similitudes com os tempos pré-democráticos teorizados por Crouch (2004; 2011). Sob uma orientação neoliberal, o jornalismo, em vez de se orientar para representar o interesse público ou as perspectivas da sociedade civil e de outras instituições de prestação de contas, é instigado a produzir narrativas em conformidade com o status quo neoliberal.

Estas transformações que enformam cada vez mais o ethos jornalístico diminuem o espaço de autonomia e crítica entre os media e a política. Esta reconfiguração sugere o retorno a um modelo anterior à separação entre as esferas políticas e mediáticas, fundamental para a mediatização da política democrática ocidental. A consolidação de um ethos neoliberal na indústria dos media representa, portanto, um retrocesso para a tradição de responsabilidade social, tendo em conta que os media tendem cada vez mais a trabalhar, principalmente em momentos cruciais, como agentes de colonização que definiram seu compromisso básico como promotores de interesses neoliberais.


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*Contribución: el 100% del trabajo pertenece a la autora.


IDENTIFICAÇÃO DA AUTORA

Rita Figueiras. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade Católica Portuguesa (UCP), Portugal. Investigadora principal do projeto internacional Social Media Surveillance and Experiences of Authoritarianism, financiado pelo Riksbanken, Suécia. Vice-chair da secção de Mediatização da ECREA (European Communication Research and Education Association). Professora na área da comunicação e media da UCP. A sua pesquisa centra-se na relação entre os media e o poder, nomeadamente mediatização política, jornalismo, datificação. Produção recente inclui: O efeito Marcelo. O comentário político na televisão (2019, FFMS); Media: Poder, Representações e Epistemologias (co-organizado com Ana Cabrera e Clara de Almeida Santos, 2019, Imprensa da Universidade de Coimbra); O Sector dos Media no Espaço Lusófono (co-organizado com Nelson Ribeiro, 2019, Universidade Católica Editora); A mediatização da política na era das redes sociais (2017, Alêtheia); Beyond the Internet: Unplugging the Protest Movement Wave (co-organizado com Paula do Espírito-Santo, 2016, Routledge). 


REGISTRO BIBLIOGRÁFICO

Figueiras, R. (julio-diciembre, 2019). Neoliberalismo e reconfiguração das condições estruturais de mediatização política. InMediaciones de la Comunicación, 14(2), 59-77.


Artículo publicado en acceso abierto bajo la Licencia Creative Commons - Attribution 4.0 International (CC BY 4.0).


1 James Curran (2011) reflete sobre o modo como a literatura científica sobre jornalismo tende a exagerar a independência política do sistema dos media americano. Segundo o autor, o modelo liberal americano é mais matizado do que parece à primeira vista, devido, nomeadamente, à sua longa história de apoio ao império informal da América (por exemplo, no modo como relata incursões militares americanas em países estrangeiros). O partidarismo dos media na “Era Trump” suscita ainda mais preocupações com a liberdade e independência dos media nos Estados Unidos da América.