Entrevista a Antonio Fausto Neto


Comunicação midiática

Diversificação e desafios


Comunicación mediática

Diversificación y desafíos


Media communication

Diversification and challenges


DOI: https://doi.org/10.18861/ic.2023.18.2.3485


ANTONIO FAUSTO NETO

afaustoneto@gmail.comSão Leopoldo – Universidade do Vale do Rio os Sinos, Brasil.


ORCID: https://orcid.org/0000-0002.5952.3880


CÓMO CITAR: AA.VV. (2023). Entrevista a Antonio Fausto Neto. Comunicação midiática. Diversificação e desafios. InMediaciones de la Comunicación, 18(2), 289-292. DOI: https://doi.org/10.18861/ic.2023.18.2.3485


Antonio Fausto Neto, presidente do Centro Internacional de Semiótica e Comunicação (CISECO) e uma das principais referências no campo da comunicação brasileira, nos dá seu testemunho sobre as transformações da comunicação midiática nas últimas décadas.


Como era o campo da comunicação ou a área de pesquisa em que você trabalhava há 25 anos? Quais eram os seus temas, as formas de abordar os problemas, as perspectivas de análise e os desafios que enfrentavam naquele momento?

Há justamente 25 anos era criado o programa de pós-graduação em comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Brasil), tendo como área de concentração de estudos e de pesquisas o tema dos processos midiáticos. Tratava-se de uma segunda geração de programas que apontava o afastamento da área de estudos, no Brasil, das inflexões teóricas do funcionalismo, embora a centralidade de suas preocupações se voltassem ainda para estudar a mídia. Porém, estes desgravitados das teorias acionalistas com que se explicava o modo de ser da mídia; seu funcionamento, suas relações com a sociedade, desembarcaram na problemática dos efeitos. Não tínhamos ainda autonomia teórica, epistemológica e metodológica para estudar fenômenos midiáticos, o que significa dizer que fizemos um segundo desembarque de motivação sociológica para estudar a atividade da comunicação social à luz das teorias dos campos sociais, bem como das construções socioantropológicas. De alguma forma, foi um certo avanço na medida em que passamos a lidar com procedimentos qualitativos para entender, por exemplo, o modo de ser da televisão, o funcionamento das práticas sociais de diferentes campos (política, esporte, ciência, religião, dentre outros) à luz dos protocolos investigativos elaborados por vieses qualitativos (como os praticados pela sociologia) que procuravam outros objetos emergentes para aplicar metodologias mais de caráter estrutural.

O enviesamento ensejado pelas injunções socioantropológicas contribuiu para que os estudos sobre fenômenos comunicacionais viessem a ser permeados segundo preocupações que valorizariam aspectos qualitativos e procedimentos observacionais mais cuidadosos, inclusive alguns descritivos que aproveitariam instrumentos da etnografia e da análise do discurso. Porém, de forma mecânica, a matriz de formação de comunicólogos estava mais preparada para operar e analisar o funcionamento das práticas comunicacionais, à luz da maquinaria da ação sociofuncional, do que examinar o funcionamento das discursividades sociais, inspiradas em teorias e metodologias sociosemiológicas, ou outras, de natureza qualitativa. Estas questões não foram enfrentadas de modo tácito, se levarmos em conta pistas deixadas sobre tais desafios no corpo de reflexões desenvolvidas em programas de pós-graduação, via publicações e pesquisas. Estas sinalizavam, de alguma forma, novas problemáticas envolvendo as relações das mídias com a sociedade desta feita, configuradas pelos efeitos da midiatizacão sobre ambiência social, especialmente, sobre práticas sociais diversas. O avanço da atividade da pós-graduação contribui enormemente para diversificação dos vieses analíticos, especialmente aqueles que priorizavam procedimentos em termos de análises. Destaco, pontualmente, a fundação da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação – COMPÓS (Brasil) que tem contribuído enormemente para a criação de outros protocolos de pesquisas, formação de quadros, experimentação de práticas de pesquisas e, principalmente, atividades de intercâmbio de pesquisadores e projetos, nos âmbitos nacionais e internacionais.


Como é esse campo agora ou a área de atuação à qual você tem dedicado seu trabalho investigativo? Que transformações ocorreram?

A midiatização crescente manifesta-se de modo complexo na organização social, nas condições de produção do conhecimento, nas esferas de circulação e no acesso às fontes de informação, ensejando uma outra racionalidade comunicacional, de viés sociotécnico, impondo-se aos processos de interação, bem como aos protocolos tecnocomunicacional, até então, vigentes. Os mass media e seus fluxos perdem uma central mediacional e, consequentemente, deixam de ser objeto de operações estratégicas (inclusive, de interesse de estudos e de pesquisas). Realiza um outro trabalho interacional, mas subordinados à matriz de complexas relacionalidades, cujas dinâmicas relacionadas com a emergência dos protocolos digitais de interação, são, ao mesmo tempo, geradoras de circulação de mensagem e consequentes de novos protocolos de investigação. Os mass media ao deixarem de ser matriz central perdem a condição de objeto de estudo em evidência, e suas manifestações passam a ser observadas a partir de outros protocolos teóricos-metodológicos muitos dos quais em uma fase seminal. Desenha-se uma outra realidade em termos de feedbacks e de horizonte comunicacional até então referido por dispositivos de transmissão que dão lugar a uma outra matriz interacional constituída por complexas relacionalidades envolvendo instituições, meios e coletivos, em feedbacks complexos. Porém, em termos de pesquisas, corre-se o risco de um novo automatismo na medida em que novos fluxos passam a ser interpretados, segundo outras lógicas (mecânicas e/ou inferenciais), intrínsecas à racionalidade da atividade de interação imposta pelo dispositivo sociotécnicodigital. Esta reação pode ser colhida, pelo menos, em registros de relatos de pesquisas que, na ausência de olhares mais analíticos sobre a própria racionalidade deste modo de existência, de funcionamento e do modo de ser da técnica, permanecem numa perspectiva observacional de natureza empírica.


Como se vislumbra o futuro? Que desafios atravessam o campo da comunicação e da formação acadêmica e profissional?

Interrogações desta natureza começam a se impor aos fenômenos que apontam para o funcionamento e efeitos da midiatização, segundo apenas o postulado dos dispositivos em produção. Não se trata de dispositivos puros desprovidos de lógicas e de intencionalidades, inclusive, no âmbito dos seus núcleos de produção. Talvez, como tendência, estejamos superando um primeiro momento de encantamento, cujo argumento a favor desta dinâmica sociotécnica era situado, internamente, nas fronteiras das lógicas da sua invenção e nos efeitos da sua manifestação. Nestas condições, não se formularam interrogações sobre efeitos que levassem a alguns contornos da própria organização social.

A comunicação midiática, enquanto objeto e área de estudos, defronta-se com desafios complexos para analisar fenômenos da sua manifestação, em termos atuais: caminhar pelas referências autoexplicativas do fenômeno técnico, enquanto instância observadora de suas manifestações; formular perguntas sobre este fenômeno em transformação, amparadas em epistemologias e processos observacionais, segundo teorias da complexidade; ou, então, conduzir sem perguntas bem como observações mais profundas sobre fenômenos que atravessam a organização social. Este é um desafio que pode manter a trajetória do estudo teórico e da pesquisa da comunicação (midiática) sem perguntas e, consequentemente, sem objeto. Mas, pode, também, proporcionar novos desenhos na pesquisa que se faz nos ambientes institucionais, desde que estes liderem projetos inventivos e perguntas que sensibilizem gerações em formação.

Saliento como dimensão salutar para o desenvolvimento dos estudos em comunicação, em perspectiva comparativa, avanços na cooperação regional, em termos de estudos, pesquisa e produção editorial. Além disso, destaco a constituição de sociedades científicas, grupos de investigação, de natureza temáticas; redes de pesquisa que se constituem em torno de fenômenos convergentes no contexto latino-americano. Mas, os esforços de alguns precursores devem ser acompanhados por instituições e grupos de pesquisa que estimulem o crescimento de projetos binacionais ou formas de cooperação entre vários países.


* Nota: el Comité Académico aprobó la publicación de la entrevista.


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IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO


Antonio Fausto Neto. Doutor em Sciences de La Comunication et de L'information, Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (França). Mestre em Comunicação, Universidade de Brasília (Brasil). Graduado em Jornalismo, Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil). Presidente, Centro Internacional de Semiótica e Comunicação - CISECO. Professor Titular, Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidad de Vale do Rio dos Sinos (Brasil). Pesquisador 1A, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Brasil). Consultor ad-hoc, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil). Autor e coautor de dezenas de artigos e vários livros, incluindo: –junto com Jairo Ferreira, Ana Paula da Rosa, José Luiz Braga e Pedro Gilberto Gomes– Between what we say and what we think: where is mediatization? (2019, FACOS-UFSM); –junto com Mario Carlón– La Política de los internautas (2012, La Crujia); –junto com Eliseo Verón– Lula Presidente: Televisão e política na campanha eleitoral (2003, Hacker). Co-fundador da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação – COMPÓS (Brasil).