As três dimensões da plataformização no trabalho publicitário


Las tres dimensiones de la plataformizácion en el trabajo publicitario


The three dimensions of platformization in advertising work


DOI:
https://doi.org/10.18861/ic.2025.20.1.3932


VITÓRIA RODRIGUES PEREIRA

vitoria.pereira@acad.ufsm.br – Santa Maria – Universidade Federal de Santa Maria, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1687-2546


JULIANA PETERMANN

petermann@ufsm.br – Santa Maria – Universidade Federal de Santa Maria, Brasil.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1739-3843


CÓMO CITAR:
Rodrigues Pereira, V. & Petermann, J. (2025). As três dimensões da plataformização no trabalho publicitário. InMediaciones de la Comunicación, 20(1). DOI: https://doi.org/10.18861/ic.2025.20.1.3932


Data de recebimento: 30 de setembro de 2024

Data de aceitação: 20 de fevereiro de 2025


RESUMO

Neste artigo ensaístico propomos conectar o trabalho publicitário à teoria da plataformização. Analisamos o trabalho publicitário, organismo vivo do campo da publicidade que adere às constantes atualizações de fenômenos advindos do cenário tecnológico, e o associamos às três dimensões da plataformização: infraestrutura de dados, mercados multilaterais e governança, que atuam como operadores metodológicos. Faremos, de primeiro momento, uma revisão de literatura sobre os conceitos aqui tratados e em seguida apresentamos as três dimensões da plataformização enquanto operadores teórico-metodológicos, definidos da seguinte forma: a. Desenvolvimento de infraestrutura de dados aplicada à atividade publicitária; b. Reorganização das práticas publicitárias e do habitus profissional a partir dos mercados multilaterais; e c. Atualizações nos papéis de agentes da publicidade a partir da governança. Este ensaio contribui para o campo da comunicação com um framework metodológico que permite a análise crítica das transformações induzidas pela plataformização no trabalho publicitário.

PALAVRAS-CHAVE: plataformização, campo publicitário, habitus publicitário, trabalho publicitário, operadores metodológicos.


RESUMEN

En este artículo ensayístico proponemos conectar el trabajo publicitario con la teoría de la plataformización. Analizamos el trabajo publicitario, un organismo vivo del campo de la publicidad que se adapta a las constantes actualizaciones de fenómenos derivados del escenario tecnológico, y lo asociamos con las tres dimensiones de la plataformización: infraestructura de datos, mercados multilaterales y gobernanza, las cuales actúan como operadores metodológicos. En primer lugar, realizaremos una revisión de literatura sobre los conceptos aquí tratados y, posteriormente, presentaremos las tres dimensiones de la plataformización como operadores teórico-metodológicos definidos de la siguiente manera: a) Desarrollo de infraestructura de datos aplicada a la actividad publicitaria; b) Reorganización de las prácticas publicitarias y del habitus profesional a partir de los mercados multilaterales; y c) Actualizaciones en los roles de los agentes de la publicidad a partir de la gobernanza. Este artículo contribuye al campo de la comunicación con un marco metodológico que permite el análisis crítico de las transformaciones inducidas por la plataformización en el trabajo publicitario.

PALABRAS CLAVE: plataformización, campo publicitario, habitus publicitario, trabajo publicitario, operadores metodológicos.


ABSTRACT

In this essay, we propose to connect advertising work to the theory of platformization. We analyze advertising work, a living organism within the field of advertising that adapts to the constant updates of phenomena arising from the technological landscape, and associate it with the three dimensions of platformization: data infrastructure, multilateral markets, and governance, which act as methodological operators. First, we conduct a literature review on the concepts addressed here, and then we present the three dimensions of platformization as theoretical-methodological operators, defined as follows: a) Development of data infrastructure applied to advertising activities; b) Reorganization of advertising practices and professional habitus through multilateral markets; and c) Updates in the roles of advertising agents through governance. This essay contributes to the field of communication with a methodological framework that enables a critical analysis of the transformations induced by platformization in advertising work.

KEYWORDS: platformization, advertising field, advertising habitus, advertising work, moperators.


1. INTENÇÕES INICIAIS

A publicidade é uma área flexível às mudanças e efemeridades do tempo. É notável que as tendências de cada época resultaram em diferentes formas do fazer publicitário. Enquanto um campo, a publicidade articula “representações que agregam sentido na atividade publicitária: em circulações de mensagens, discursos, na propagação de ideias e conhecimentos, mercadorias e produtos que além de possuir articulações simbólicas e imaginárias, também propaga uma visão de mundo” (Rodrigues Pereira, 2024, p. 92).

Como afirma Bourdieu (1989), o campo social é um espaço estruturado em que agentes em posições tanto de dominantes como de dominados disputam pela obtenção e manutenção de determinadas posições e capitais sociais. E, assim, esses agentes devem seguir determinadas estruturas, buscando manter ou mudar posições, visto que existem forças de conservação internas e externas projetadas e refletidas nesses espaços sociais. Todos os campos são dotados de mecanismos próprios, com propriedades que lhes são particulares. Ou seja, cada um deles possui regras explícitas e implícitas que condicionam o espaço, assim como são condicionantes para o habitus de seus agentes. Para Bourdieu, eles são dotados de regras, tal qual um jogo em que os agentes participam, disputando por postos, lucros e disposições específicas dentro dessas arenas sociais.

No campo da publicidade, essas disputas se concentram em diferentes dimensões. No trabalho proposto neste artigo, abordamos as disputas em diferentes dimensões através das transformações no trabalho publicitário, nas práticas publicitárias e nas condutas de agentes da publicidade. Consideramos a publicidade está sempre envolta por questões sociais, culturais e econômicas e os atravessamentos de outros campos tais como o social, cultural e o econômico, influenciam direta e indiretamente no habitus profissional da publicidade, a partir de modos de conduta, de vestimentas, jeitos de falar, comportamentos e outras ações.

Adotamos o conceito de habitus por Bourdieu (1989) o considerando como um sistema de disposições duráveis e transponíveis que orientam o comportamento e a percepção dos indivíduos em um campo social. O conceito é formado através da socialização e é refletido nas práticas e nas estratégias adotadas pelos indivíduos em contextos específicos. No âmbito publicitário, a Petermann (2017) desenvolve o conceito de habitus publicitário para descrever como as disposições e práticas dos profissionais da área são moldadas pela cultura e pelas normas do campo publicitário. Logo, o sistema de disposição publicitário é caracterizado por uma combinação de habilidades criativas e estratégicas e ainda uma compreensão das dinâmicas do mercado e das expectativas de clientes e consumidores.

Atualmente, a atividade publicitária é atravessada por diversas transformações digitais e tecnológicas que fazem parte de nossas vidas pessoais e também do âmbito profissional. Essas mutações no cenário publicitário impactam não somente as condutas de profissionais, mas fomentam atualizações nas práticas, nos conteúdos e nos formatos de negócios da área. Vemos isso a partir da lente da plataformização, um fenômeno que conduz a vida de todos que estão on-line e a própria publicidade e seus profissionais. Este fenômeno vai além das plataformas digitais, pois espalha suas lógicas para além do contexto digital.

Clarificamos que este estudo ensaístico surge de uma pesquisa de mestradoi que cartografou as lógicas de plataformização do trabalho publicitário (Rodrigues Pereira, 2024), destacando as ressignificações dohabitus profissional do campo e as práticas publicitárias. Como resultado, encontramos um conjunto de lógicas de plataformização no trabalho publicitário que sintetizamos em doze pistas do trabalho publicitário plataformizado, todas advindas desse fenômeno que segue transformando o campo da publicidade. Inferimos que, neste artigo, optamos por não aprofundarmos nas doze pistas mencionadas, pois tratamos aqui de três conceitos da teoria da plataformização enquanto operadores teórico-metodológicos para a pesquisa em publicidade.

As três dimensões que focamos neste trabalho advém do fenômeno da plataformização, conforme as noções de van Dijck, Poell e De Waal (2018): a) infraestrutura de dados; b) mercados multilaterais; c) governança. Acionamos estes três conceitos para investigar as lógicas de plataformização presentes no trabalho publicitário. Inferimos que esses princípios, em nossa pesquisa de dissertação, serviram como categorias de análise para estudarmos o fenômeno no campo publicitário. Dessa forma, as definimos da seguinte maneira:

a) Desenvolvimento de infraestrutura de dados aplicada à atividade publicitária.

b) Reorganização das práticas publicitárias e do habitus profissional a partir dos mercados multilaterais.

c) Atualizações nos papéis de agentes da publicidade a partir da governança.

No entanto, pela proporção que essas categorias de análise tiveram em nosso estudo de mestrado, acreditamos na relevância de aplicá-las enquanto operadores teóricos-metodológicos para investigar o trabalho publicitário plataformizado e as atualizações que tal fenômeno gera no habitus profissional do campo e nas práticas publicitárias. Tendo em vista isso, aplicamos aqui os primeiros passos pensados para estes operadores. O conjunto de dados que suporta os resultados deste estudo está disponível no Manancial - Repositório Digital de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil, e no siteii feito exclusivamente para dispor os dados de pesquisa.

Diante do exposto, esta pesquisa está dividida em seis sessões. Duas que estruturam nosso referencial teórico, uma que se ampara nas três dimensões enquanto operadores metodológicos e a última que finda as discussões aqui propostas. Primeiramente, temos as intenções iniciais aqui apresentadas, logo após há o tópico dois “Entendo a plataformização” onde aprofundamos a discussão sobre o que é este fenômeno e como ele está atravessando o campo publicitário. No tópico três “O trabalho publicitário e a plataformização: ressignificações no habitus profissional”, explicamos as transformações que estão ocorrendo neste contexto plataformizado e as atualizações nas condutas de profissionais da publicidade. No quarto tópico “As três dimensões da plataformização”, explicamos o que é cada uma delas e as aproximamos do trabalho publicitário. No tópico cinco, “As três dimensões como operadores teórico-metodológicos”, revelamos as três dimensões da plataformização enquanto operadores metodológicos para a pesquisa em publicidade, pelo viés do trabalho publicitário. Por fim, findamos este trabalho com as considerações finais.


2. ENTENDENDO A PLATAFORMIZAÇÃO

A plataformização tem emergido como um conceito central na análise das transformações socioeconômicas contemporâneas, especialmente no contexto digital. van Dijck, Poell e De Waal (2018) oferecem um panorama teórico contundente e crítico sobre este fenômeno, explorando como as plataformas digitais reconfiguram estruturas sociais, econômicas e culturais. Este tópico visa explorar os principais argumentos apresentados, sobretudo, por estes autores mencionados, como também aciona dois teóricos brasileiros: Grohmann e Salvagni (2023), destacando os mecanismos e implicações da plataformização no contexto latino-americano. Para iniciar o diálogo, optamos pelo recorte de localidade quanto ao norte e ao sul global; os estudos sobre a plataformização em tais contextos retratam diferentes dinâmicas e se diferenciam em termos sócio-econômico-culturais.

van Dijck, Poell e De Waal (2018) definem a plataformização como o processo pelo qual as plataformas digitais se tornam infraestruturas vitais para a mediação e modelagem atividades sociais e econômicas. Essas plataformas, sobretudo as chamadas Big Five, no caso, as cinco grandes corporações que contam com o Google, Facebook (Meta), Apple, Amazon e Microsoft, operam como intermediários que facilitam a interação entre usuários e serviços. A centralidade dessas e outras plataformas na vida contemporânea é marcada por três características principais: dados, algoritmos e interfaces.

Primeiramente, os dados são o cerne das operações das plataformas. Metaforicamente, podermos dizer que os dados são o coração destas. A coleta, o processamento e a monetização de grandes volumes de dados permitem às plataformas oferecer serviços personalizados e também influenciar comportamentos e/ou preferências de usuários. No entanto, a forma como os dados são tratados por essas plataformas versa questões importantes sobre privacidade, controle e vigilância.

Em segundo lugar, há os algoritmos. Eles são os motores que impulsionam a personalização e a eficiência das plataformas. Sendo projetados para otimizar a experiência dos usuários, maximizar o engajamento e gerar retenção. Vale lembrar que os algoritmos não são neutros, visto que eles incorporam valores e prioridades de seus desenvolvedores e das empresas que os operam. Logo, muitas vezes estes algoritmos refletem e reforçam desigualdades sociais, culturais e políticas existentes. Isso significa que os algoritmos podem, sim, serem construídos para uma atuação preconceituosa ou de má-fé.

Por fim, há as interfaces. Elas desempenham um papel fundamental na forma como os usuários interagem com as plataformas. A usabilidade e o design das interfaces afetam a maneira como a informação é acessada e consumida, moldando percepções e comportamentos. Isto porque, as interfaces são projetadas para serem intuitivas e atrativas, promovendo um uso contínuo e integrado na vida cotidiana.

A plataformização, conforme argumentam van Dijck, Poell e De Waal (2018), dispõe de profundas implicações sociais e econômicas na sociedade. Socialmente, as plataformas reconfiguram relações de poder e a forma de participação coletiva, pois criam novos espaços para interação e expressão e também introduzem novas formas de controle e exclusão. A curadoria algorítmicaiii e a moderação de conteúdo são exemplos de como as plataformas podem influenciar o discurso público e as dinâmicas de participação cívica.

No sul global, dois autoresiv estão a frente de identificar as dinâmicas, as implicações e os impactos que a plataformização está provocando nos trabalhadores em plataforma, são eles: Grohmann e Salvagni (2023). No contexto latino-americano, as plataformas digitais emergem como facilitadoras de serviços e de conectividade e também enquanto atores que reproduzem e exacerbam desigualdades socioeconômicas preexistentes. A adoção e a adaptação das lógicas de plataformização são frequentemente mediadas por contextos de infraestrutura limitada, desigualdade de acesso à internet e diferenças significativas nas condições de trabalho e de vida.

Para Grohmann e Salvagni (2023) as corporações fundadoras das plataformas não são imparciais como dizem ser, uma consciência teórica crítica que se aproxima da de van Dijck, Poell e De Waal (2018). Todos esses autores mencionados combatem o dataísmo, no caso, “a crença de que a produção e o tratamento de dados são isentos, imparciais, desinteressados, bem como a noção de que as empresas de tecnologia buscam sempre apenas a melhoria de nossa experiência” (Grohmann & Salvagni, 2023, p. 10). O trabalho informal, a taskificação –a maior fragmentação do trabalho– e a sujeição maquínica (Casilli como citado em Grohmann & Salvagni, 2023) aumentaram a informalidade, a flexibilização e a precariedade laboral, isto porque, a plataformização é um dos tantos braços do sistema capitalista, sendo uma semente que fecunda através das lógicas capitalistas de suas empresas criadoras. As plataformas alimentam a ilusão de trabalhadores com o ideal de se tornarem “empreendedores de si”, detentores de sua própria renda, de seus horários de trabalho e de sua independência profissional.

Economicamente, as plataformas alteram modelos de negócio e estruturas de mercado. Elas promovem a Gig economyv, onde a flexibilidade e a autonomia são acompanhadas por precariedade e flexibilizações que geram insegurança na vida de trabalhadores. Além disso, as plataformas muitas vezes desfrutam de posições monopolísticas, controlando vastas redes de produtores, criadores, influenciadores e consumidores, o que lhes confere um poder significativo sobre os mercados. As plataformas digitais, ao se inserirem nesses contextos, não só capitalizam sobre essas condições, mas também as institucionalizam. Trabalhadores em plataformas de transporte, entrega e serviços domésticos no sul global, por exemplo, enfrentam uma realidade de trabalho altamente precarizada, com pouca ou nenhuma proteção social, refletindo um modelo de negócio que se aproveita das vulnerabilidades locais para maximizar lucros.

A análise de van Dijck, Poell e De Waal (2018) sobre a plataformização oferece, ao nosso ver, uma base teórica fundamental para entender as transformações contemporâneas presentes nas estruturas sociais e econômicas mediadas por plataformas digitais. Aproximando os estudos de Grohmann e Salvagni (2023) com as análises dos autores citados anteriormente (2018), é possível percebermos tanto convergências quanto divergências na forma como a plataformização se manifesta em diferentes contextos geopolíticos. Enquanto van Dijck Poell e De Waal enfatizam a centralidade dos dados, algoritmos e interfaces na configuração das dinâmicas de poder no norte global, Grohmann e Salvagni destacam como essas mesmas tecnologias são apropriadas de maneira desigual no contexto sul-americano, perpetuando formas de exploração e exclusão. A plataformização, portanto, embora global em sua natureza, assume características locais que refletem e amplificam as desigualdades existentes, o que, nesse sentido, exige uma análise crítica que considere as especificidades regionais e os impactos diferenciados nas economias e sociedades do sul global.

No contexto do trabalho publicitário, a plataformização redefine práticas, dinâmicas de poder e condições de trabalho, apresentando tanto oportunidades quanto desafios. Aproximando aos estudos à luz destes autores citados, a plataformização assume um papel notável no campo publicitário, aqui destacamos a centralidade das plataformas digitais na reorganização das práticas publicitárias e do habitus profissional da área.


3. TRABALHO PUBLICITÁRIO, PLATAFORMIZAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÕES NO HABITUS PROFISSIONAL

O campo da publicidade experimenta intensas transformações tecnológicas e digitais que resultam na plataformização do trabalho publicitário. A plataformização, como descrito por van Dijck, Poell e De Waal (2018), implica a mediação digital e o impacto dos algoritmos nas práticas sociais e econômicas. Neste tópico exploramos como a plataformização influencia o trabalho publicitário pelo viés do habitus profissional de seus agentes.

No contexto do trabalho publicitário, a plataformização gera efeitos significativos. A publicidade digital/programática, por exemplo, é predominantemente mediada por plataformas como Google e Facebook, que controlam as redes das agências, de anunciantes, de fornecedores e de consumidores. Estas plataformas oferecem ferramentas avançadas de segmentação e análise, permitindo campanhas direcionadas a públicos específicos e com altas performances na rodagem dos anúncios. No entanto, a dependência da tríade agência-anunciante-consumidores às lógicas das plataformas também estabelece novos desafios e dinâmicas de poder no campo publicitário e consequentemente no habitus profissional.

Profissionais da publicidade que atuam na área precisam percorrer pelas complexas políticas e termos de serviço e pelos algoritmos das plataformas para alcançar suas audiências em campanhas publicitárias. Mas, para além disso, no trabalho publicitário em agências, esses agentes também precisam se adequar às lógicas das plataformas para operarem as atividades. No entanto, existem desafios que se estabelecem quando se trata das plataformas, visto que a transparência e a previsibilidade dos algoritmos é limitada, o que pode dificultar a otimização de campanhas e a medição de resultados, por exemplo. Além disso, a concentração de poder nas mãos de poucas plataformas pode limitar a diversidade e a inovação no campo publicitário, consolidando práticas e padrões que favorecem os interesses das plataformas e não os dos publicitários.

A plataformização também impacta as condições de trabalho desses profissionais. A demanda por habilidades técnicas e analíticas aumenta constantemente e, consequentemente, surge um novo perfil do profissional adequado a tais solicitações, enquanto a pressão por resultados mensuráveis e imediatos intensifica a carga de trabalho e a competitividade entre as equipes. Isso acontece devido à natureza volátil e dinâmica das plataformas que exige uma constante atualização e adaptação, no entanto, essas rápidas modificações que advém das demandas das plataformas digitais que se projetam no trabalho publicitário contribuem para um ambiente de trabalho ainda mais estressante e instável, corroborando para a flexibilização e a precariedade da atividade publicitária, além de perpetuar um esvaziamento da autonomia profissional.

Vemos isso a partir dos trabalhadores freelancers que exercem atividades específicas e sazonais em agências de publicidade. Esses profissionais autônomos costumam não ter contratos fixos estabelecidos entre a empresa contratante e eles, quase sempre atuando enquanto Pessoas Jurídicas (PJ) ou como Microempreendedores Individuais (MEI). Não há um contrato que regulamente as relações trabalhistas do contratado, isto é, não há a assinatura de carteira assinada nos decretos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que regula o vínculo entre a empresa e o/a profissional. A plataformização acelera ainda mais essa flexibilização já existente no campo.

Outro ponto que deve ser mencionado é relativo aos embates entre criatividade e tecnicidade no cenário do trabalho publicitário que leva em consideração as análises conduzidas na dissertação (2024) e os exploratórios empíricos que fizemos ao decorrer da tessitura de pesquisa. Para alguns dos agentes do campo, especialmente aqueles que foram entrevistados, todos reforçam em suas falas as vantagens de utilizar as plataformas digitais e as ferramentas de inteligência artificial (IA) para melhorar as entregas, a gestão de tempo, desburocratizar processos, operacionalizar e organizar demandas. Ao nosso ver, é notável em seus discursos que a função dessas ferramentas incorporadas ao trabalho são vistas de forma positiva no que tange o caráter operacional. No entanto, esse reforço de benefícios das plataformas e da IA na atividade publicitária deve ter certa dose de criticidade aos usos, principalmente no que concerne a ética.

A relação que o trabalho publicitário plataformizado busca desenvolver entre habilidades criativas e tecno-analíticas, em nossa opinião, isso acaba limitando o pensamento criativo de seus agentes. Isto porque, ao pressupor que as ferramentas de IA possam substituir áreas como redação, planejamento e até mesmo direção de arte nos departamentos das agências, se desencadeia um pensamento que pode pressupor maior valor às máquinas do que à mão de obra humana. Algo perigoso que precisa de atenção e discussões profundas sobre, pois as tensões que se desenrolam entre criatividade e tecnicidade estão se tornando mais intensas, mais visíveis e carecem de debates no campo. Há ainda, embasado nestas mesmas questões trazidas, a abordagem entre a autonomia profissional e o controle algorítmico que, por limitações, neste artigo não desenvolvemos, mas que deixamos assinalado para que próximas pesquisas sejam desenvolvidas pensando nisso, especialmente pelo viés da plataformização que incide no trabalho, nos agentes e nas práticas.

No contexto publicitário, a plataformização fica evidente pela crescente dependência de plataformas digitais para a execução e gerenciamento de serviços. Plataformas como Google Ads e Facebook Ads sempre são mencionadas quando se trata de campanhas digitais, pois oferecem ferramentas sofisticadas de segmentação e de análise aos profissionais de mídia, permitindo maior personalização e otimização (van Dijck, Poell & De Waal, 2018). No entanto, com a entrada cada vez mais latente e rápida de ferramentas de IA no campo publicitário, essas otimizações passam a ser obrigatórias e constantes no trabalho publicitário.

Além de implicar em mudanças significativas nas condutas sociais eprofissionais do campo, as IAs fomentam também o enxugamento dos departamentos das agências e empresas de publicidade. Explicamos. Com a integração delas na atividade publicitária, muitos profissionais que faziam tal função são substituídos por elas, caso de redatores publicitários humanos que hoje são raros devido à substituição por sistemas de computadores que realizam rapidamente –o que não significa ser assertivo– tal função. A integração dessas plataformas no trabalho publicitário tem implicações expressivas para as práticas e para o perfil de profissionais da área. A dependência de dados e algoritmos redefine o processo criativo e estratégico da publicidade, exigindo uma maior especialização aos produtos das plataformas, o que incita no desenvolvimento de habilidades técnicas e analíticas para os publicitários atuantes.

Podemos afirmar que a plataformização gera ressignificações significativas no habitus publicitário, este que enquanto uma estrutura estruturante passa a privilegiar modos de conduta e disposições advindas da era digital no campo e na atividade publicitária. O trabalho de Petermann (2017) especifica o habitus publicitário baseado em habilidades criativas e na capacidade de entender o comportamento do consumidor. Todavia, considerando o atual cenário, essa disposição é estruturada pela necessidade da compreensão e da manipulação algorítmica e processual características das transformações tecnológicas que incitam novas tendências nos produtos publicitários, em sua abordagem, seja no próprio mercado de trabalho publicitário. Com a expansão de ferramentas de IA dentro das agências e empresas, por exemplo, cargos antes vistos como bases para efetivação de uma mão de obra publicitária “bem feita”. Estes cargos, hoje, são substituídos por ferramentas de IA, como o ChatGPT ou por Chatbots de IAvi que possuem comandos específicos para cada cliente atendido. Isso remonta e ressignifica o fazer publicitário da forma como antes era representado.

Casaqui (2011) e Wottrich (2021) argumentam que profissionais de publicidade estão, cada vez mais, se tornando técnicos-analíticos, em um processo de adaptação às exigências algorítmicas das plataformas e redes digitais. A condição de interpretar dados e otimizar campanhas com base em métricas de performance, por exemplo, tem se tornado central em funções de agentes da publicidade nos seus postos de trabalho, não sendo restrita ao profissional de mídias sociais. Reforçamos essa perspectiva ao observar que tal fenômeno (o da plataformização no contexto publicitário) condiciona hegemonicamente novas perspectivas de se pensar o trabalho, tornando esse espaço mais restrito aos processos analíticos, o que, nesse sentido, causa uma baixa propensão ao pensamento criativo e, em contraste, ao caráter crítico.

Em vista disso, “os agentes do campo publicitário foram interpelados pela plataformização a partir do surgimento de novos players” (Wottrich, 2023, p. 9). Esses novos players de mercado são as empresas que têm maior relevância no ramo em que atuam, possuindo expertise e influência para gerar oportunidades de negócio ditas promissoras. Muitas agências de publicidade investem nesse modelo de negócio, o que faz com que elas e seus trabalhadores se moldem às tendências tecnológicas e as lógicas das empresas de tecnologia, especialmente conforme pregam às grandes corporações digitais.

Bourdieu (1989) e Petermann (2017) nos ajudam a entender essas mudanças como uma adaptação do habitus publicitário às novas condições impostas pelas plataformas digitais. Os profissionais precisam agora integrar disposições digitais às suas condutas e aos seu fazer publicitário com caráter analítico, sem perder a criatividade (Rodrigues Pereira, 2024). Nesta perspectiva, a prática publicitária se torna um campo onde a criatividade e a análise de dados estão profundamente interligadas, refletindo uma mudança na forma como o trabalho é concebido e executado.

Vimos aqui que a plataformização está transformando o campo da publicidade, reconfigurando as práticas e o habitus profissional da área. A integração das plataformas digitais e de ferramentas de IA no trabalho publicitário tem implicações complexas às formações e as práticas de profissionais da publicidade, exigindo um grau maior de especialização aos instrumentos (as plataformas e ferramentas). As mudanças no habitus publicitário refletem a adaptação às novas tecnologias e indicam uma reconfiguração das normas e das práticas dentro do campo publicitário. Antes de entender como as três dimensões da plataformização afetam o trabalho publicitário, no próximo tópico, descrevemos cada uma.


4. ENTENDO AS TRÊS DIMENSÕES DA PLATAFORMIZAÇÃO

A plataformização é um fenômeno sócio-cultural e econômico que advém desse cenário de grandes corporações tecnológicas, com infinitas lógicas e dinâmicas em seu interior. Entre a infinitude de processos, existem três dimensões que estruturam esse fenômeno e o arquitetam em lógicas algorítmicas específicas de plataformas. Cada uma dessas dimensões revela aspectos substanciais na maneira como as plataformas digitais reconfiguram práticas sociais e econômicas contemporâneas. São elas: 1) infraestrutura de dados; 2) mercados multilaterais; e 3) governança.

A primeira dimensão, infraestrutura de dados, serefere aos sistemas técnicos e aos processos pelos quais os dados são coletados, armazenados, processados e analisados. As plataformas digitais dependem de amplas infraestruturas de dados que possibilitam a personalização e a segmentação de conteúdos, ensejando experiências personalizadas aos usuários a partir da otimização de serviços com base nos dados comportamentais. Essa gama de dados coletados não apenas redefine o valor econômico, mas também revisita questões críticas sobre a privacidade, a segurança e o controle distributivo destes. Logo, a infraestrutura enquanto processo “tem sido apreendido por meio da noção de dataficação, se referindo às maneiras pelas quais as plataformas digitais se transformam em dados, práticas e processos que historicamente escaparam à quantificação” (Poell, Nieborg & van Dijck, 2020, p. 6).

A segunda dimensão, mercados multilaterais, diz respeito à estrutura econômica que permite que plataformas atuem como intermediárias entre diferentes grupos de usuários, como consumidores, anunciantes e fornecedores. van Dijck, Poell e De Waal (2018) destacam que as plataformas operam como mercados multilaterais ao facilitar transações e interações entre essas partes, cobrando taxas ou comissões por seus serviços. Esta dimensão nos possibilita entender como as plataformas geram receita e consolidam seu poder no mercado. Por conseguinte, a criação de redes de valor em que múltiplos atores interagem amplia tanto o alcance quanto a influência das plataformas, fabricando economias de escala e efeitos de rede que reforçam o domínio e dificultam a entrada de novos competidores, por exemplo. Logo, essa dimensão considera que “as relações de mercado tradicionais, em contexto pré-digital, com algumas exceções notáveis, tendem a ser unilaterais, com uma empresa negociando diretamente com os compradores” (van Dijck, Poell & De Waal, 2018, p. 7), enquanto no pós-digital há uma horizontalização entre as relações de mercado e sua cadeia produtiva.

A terceira dimensão, governança, envolve as regras, normas, políticas de serviço e algoritmos que regulam o funcionamento das plataformas digitais. van Dijck, Poell e De Waal (2018) argumentam que a governança das plataformas não se limita às políticas internas das empresas, incluindo também como elas se relacionam com regulamentações estatais e normas sociais. A governança algorítmica, em particular, desempenha um papel central na moderação de conteúdo, na priorização de informações e na gestão de interações entre usuários. Essa dimensão evidencia como as plataformas exercem controle ao definir o que se torna visível e acessível aos usuários e aos seus parceiros, influenciando comportamentos e percepções, por vezes sutilmente, mas sempre de forma dominante. Esse domínio é evidenciado, sobretudo, através dos termos de uso e políticas de privacidade. Nesse sentido, a governança é calcada pelas lógicas algorítmicas, pois “as plataformas estruturam como os usuários finais podem interagir entre si e com os complementadores por meio de interfaces gráficas do usuário, oferecendo vantagens específicas enquanto retêm outras” (Poell, Nieborg & van Dijck, 2019, p. 7).

Aproximando essas dimensões ao trabalho publicitário, fica evidente que a plataformização tem um impacto profundo, multifacetado e performático na atividade da área. Se analisarmos as dimensões pela lente da publicidade digital/programática, a infraestrutura de dados facilita que publicitários segmentem audiências, utilizando insights derivados de grandes volumes de dados para criar campanhas direcionadas a públicos específicos. Os mercados multilaterais visam simplificar a conexão entre anunciantes e consumidores através de plataformas que mediam a compra e venda de espaços publicitários, otimizando o alcance e o engajamento das campanhas digitais. Já a governança das plataformas afeta diretamente as estratégias publicitárias, uma vez que as regras e os algoritmos determinam a visibilidade e a distribuição de anúncios, influenciando em quais mensagens chegam ao público consumidor e como elas são recebidas por estes. Dessa forma, as três dimensões da plataformização delineadas por van Dijck, Poell e De Waal (2018) transformam a estrutura e a economia da publicidade, reconfigurando as práticas e estratégias de profissionais da área, o que exige uma constante adaptação profissional e comportamental.

Para isso, precisamos entender como as três dimensões da plataformização –infraestrutura de dados, mercados multilaterais e governança– impactam o trabalho publicitário. No próximo tópico, abordamos estas dimensões enquanto conceitos que podem servir como operadores teóricos-metodológicos para pensar nas pesquisas sobre publicidade.


5. AS TRÊS DIMENSÕES COMO OPERADORES TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Propomos um exercício: pensar nas três dimensões da plataformização como operadores teórico-metodológicos. Para fins de esclarecimento, um operador metodológico é uma ferramenta ou conceito utilizado em pesquisas científicas para orientar a coleta, análise e interpretação de dados. O operador metodológico oferece um framework teórico-prático que garante consistência, rigor e coerência ao estudo, permitindo que pesquisadores identifiquem, categorizem e interpretem fenômenos de maneira sistemática.

Para este artigo, propomos um primeiro ensaio que propõe a utilização das três dimensões da plataformização –infraestrutura de dados, mercados multilaterais e governança– como operadores metodológicos. Isso significa que essas dimensões descrevem aspectos importantes do trabalho publicitário plataformizado e fornecem uma estrutura metodológica para a investigação.

Em nossa pesquisa de dissertação, partimos do entendimento de que essas três dimensões fariam parte das categorias de análise do estudo. Para cada uma, tecemos uma designação específica: a primeira tem a ver com a infraestrutura de dados e foi definida como: a. Desenvolvimento de infraestrutura de dados aplicada à atividade publicitária; a segunda categoria utiliza dos mercados multilaterais foi designada como b. Reorganização das práticas publicitárias e do habitus profissional a partir dos mercados multilaterais; e a última categoria, ligada à governança, foi nomeada de c. Atualizações nos papéis de agentes da publicidade a partir da governança.

As três categorias de análise desenvolvidas em nossa dissertação de mestrado contaram com o suporte teórico baseado em quatro principais conceitos: campo publicitário, habitus publicitário, trabalho publicitário e plataformização. Além desse apoio teórico, operacionalizamos algumas técnicas como a pesquisa documental para seleção de reportagens específicas sobre transformações tecnológicas e digitais presentes no trabalho publicitário, selecionadas em veículos especialistas da área de comunicação e da subárea de publicidade. Operacionalizamos também com entrevistas em profundidade com roteiro semi-estruturado a partir de três publicitários que atuam em cargos de liderança em agências com foco nodigital, localizadas no sul e sudeste do Brasil. Todos esses aparatos teórico-metodológicos auxiliaram para o desenho dessas três categorias baseadas nas dimensões da plataformização.

Partimos da hipótese que essas categorias podem atuar como operadores teórico-metodológicos, auxiliando na identificação, na categorização e na interpretação da plataformização do trabalho publicitário e nas lógicas algorítmicas que atravessam o habitus profissional do campo. Abaixo, explicamos como cada uma das dimensões foram pensadas e como elas podem ser operadas em futuras pesquisas. Em primeiro momento, tratamos sobre o que é cada categoria de análise e como elas ganham corpo e se tornam operadores teórico-metodológicos, logo em seguida clarificamos como aplicá-las às pesquisas sobre o campo e o trabalho publicitário.


a.
Desenvolvimento de infraestrutura de dados aplicada à atividade publicitária

Como operador metodológico, a infraestrutura de dados orienta a investigação sobre como os dados são coletados, armazenados, processados e utilizados pelas plataformas. Na publicidade, em âmbito mercadológico, por exemplo, investigar a infraestrutura de dados pode revelar como as práticas de coleta e análise desses dados influenciam nas estratégias de marketing e na eficácia de campanhas publicitárias. Já no âmbito acadêmico, esse operador pode colaborar para percepções sobre as ressignificações nos modelos de negócio e formatos de conteúdo publicitário para as plataformas digitais. Percebemos, pela nossa pesquisa de mestrado, uma pulverização dos modelos de negócio na área, em que o formato dito tradicional, com departamentos e setores bem delimitados contemporaneamente, passa a ser contestado e redesenhado, com setores mais difusos, multifacetados e enxutos, convergindo tais espaços em uma coisa só.

Explicamos. Se antes uma agência de publicidade era organizada em departamentos típicos como: atendimento –planejamento– criação, no cenário atual essa departamentalização se dissolve, visto que há o desenvolvimento de novos cargos e ocupações advindas através das transformações digitais e das tendências ditadas pelas plataformas digitais. Novas funções se formam para atender às demandas digitais, caso da profissão ‘criador de conteúdo’. Esses profissionais atuam em seus nichos e passam a ganhar notabilidade das agências que os contratam para atuarem em campanhas publicitárias e divulgarem produtos e serviços dos complementadores. Indo além, esses ‘novos’ profissionais contratados servem para a divulgação das marcas em seus perfis, mas passam a colaborar junto às equipes das agências e das empresas com setores de comunicação, com um papel secundarista que implicam em trazer ideias, pontuar argumentos com a finalidade de adequar a pauta que o cliente e a agência propunham no briefing.

Além destas novas funções estabelecidas pelas plataformas digitais, há também a configuração de novos setores dentro das agências publicitárias, caso do setor de tendências digitais e tecnológicas que possui outros profissionais além da publicidade. Em sua maioria composto por agentes inseridos nos campos da Tecnologia de Informação (TI), do Jornalismo, das Relações Públicas, do Direito, por exemplo. Inferimos que há uma pulverização nos formatos e modelos de negócio, além de uma possível modificação no que tange à contratação de profissionais, pois existe a instituição de novos departamentos que necessitam de profissionais de outras áreas além da comunicação e da publicidade para atuarem nesses espaços.

A infraestrutura de dados reconfigura o processo criativo e estratégico na publicidade. Publicitárias e publicitários precisam integrar a análise de dados em suas práticas, além de desenvolverem percepções analíticas a partir do mar-abertovii, sendo um imenso volume de informações e dados que navegam pela internet, para direcionar suas campanhas e serviços de forma mais eficaz. Ao adotar a infraestrutura de dados como operador metodológico, as futuras pesquisas podem revelar como essa dimensão impacta a natureza do trabalho publicitário, desde a concepção de estratégias até a medição de resultados obtidos.

A infraestrutura de dados, enquanto operador metodológico, permite investigar também como os dados são coletados, processados e utilizados na atividade publicitária. Neste contexto, é possível explorar como as agências de publicidade utilizam as plataformas digitais, como Google Ads, Facebook Ads, para a coleta, dados brutos sobre usuários e tendências sociais e comportamentais deles. E, ainda, como esses dados são processados para criar perfis detalhados desses consumidores, o que facilita no desenho das percepções sobre os movimentos de mercado e em como eles são utilizados para segmentar campanhas publicitárias e personalizar os serviços ofertados pelas agências. Essa dimensão deve considerar a criticidade dos profissionais sobre o uso dessas ferramentas e também o monitoramento ético desses dados mapeados e analisados.


b. Reorganização das práticas publicitárias e do habitus profissional a partir dos mercados multilaterais

O conceito de mercados multilaterais serve como operador metodológico ao direcionar o foco para as interações econômicas mediadas pelas plataformas. Isso envolve a análise das estruturas de mercado criadas por elas, incluindo os fluxos de valor entre diferentes grupos de usuários e complementadores (consumidores, anunciantes, fornecedores). Na publicidade, este operador permite estudar se as plataformas facilitam a conexão entre anunciantes e consumidores e como essas interações econômicas impactam a estrutura e a dinâmica do mercado publicitário.

Na infraestrutura de dados, observamos que existem atualizações quanto aos formatos de conteúdo, aos modelos de negócio, a criação de novos cargos e ocupações que foram estabelecidas através das transformações digitais e tecnológicas, em especial, por e pelas plataformas digitais. Nesta dimensão, verificamos “os tipos de serviços ofertados (...), as dinâmicas de mercado, focando nos tipos de contratos estabelecidos com os clientes, a noção de monetização de conteúdos e serviços dessas agências para compreender como é a perfomance do trabalho publicitário e a organização estrutural” (Rodrigues Pereira, 2024, p. 168) da atividade laboral da publicidade.

Os mercados multilaterais, enquanto um operador metodológico, orientam a análise das dinâmicas econômicas e sociais que emergem das interações entre diferentes atores no ecossistema publicitário. No campo da publicidade, as plataformas digitais atuam como intermediárias que conectam os complementadores como os clientes, anunciantes, consumidores e produtores de conteúdo, criando redes complexas de valor. Dessa forma, esse operador metodológico se aplica para investigar como as agências de publicidade e seus profissionais estabelecem e fazem a mediação das interações dentro das plataformas, especialmente para a compra e venda de espaços publicitários, para a criação de contratos de serviço entre contratado e contratante, visto que a maioria desses contratos é, hoje, feito e armazenado digitalmente em nuvem. Além de também investigar de que forma a atividade publicitária é medida, em se tratando de agências que possuem formatos de trabalho home office ou híbrido como os seus principais, este tipo de medição de performance é feita em e por serviços especializados em analisar o desempenho desses profissionais. Ao utilizar essa dimensão como um operador metodológico, as pesquisas futuras podem explorar esses pontos e ainda, como as plataformas moldam as relações de poder entre diferentes atores (agências, clientes, anunciantes, fornecedores), impactando diretamente o mercado publicitário.


c. Atualizações nos papéis de agentes da publicidade a partir da governança

Como operador metodológico, a governança orienta a investigação sobre as regras, normas, políticas e algoritmos que regulam o funcionamento das plataformas. No trabalho publicitário, isso inclui a análise das políticas internas das agências e empresas de publicidade, a governança algorítmica e a relação com as regulamentações externas. Nas pesquisas que investigam as transformações, sobretudo, as digitais e tecnológicas que refletem no campo publicitário, investigar a governança pode revelar como as regras e os algoritmos das plataformas afetam as práticas éticas, sociais e simbólicas na publicidade.

Se na dimensão dos mercados multilaterais percebemos uma mudança quanto aos formatos e modelos tradicionais e pós-digitais das agências de publicidade, relatados a partir da mediação das plataformas na performance de profissionais da publicidade, na dimensão da governança observamos que as plataformas e as suas lógicas modificam as políticas internas e externas das agências, reconfigurando os papéis dos agentes no trabalho publicitário.

Essa é uma dimensão bastante complexa, pois trata de questões internas ligadas às políticas, as regulamentações e os impactos que a falta de transparência algorítmica gera, como no caso, a falta de ética das grandes corporações tecnológicas sobre os dados que são coletados e o que eles fazem com essas informações. No trabalho publicitário, as empresas de publicidade (em especial aquelas que se caracterizam enquanto agências digitais) também contam com políticas internas e externas, algumas dispõem destas, destacando detalhes em seus sites, mas outras não as expõem, disponibilizando somente aos funcionários e clientes.

A governança pode possibilitar o exame de regras e de normas que regem as práticas publicitárias de agentes da publicidade no ambiente das plataformas digitais. Este operador é essencial para entender como as plataformas exercem (indireta ou explicitamente) o controle sobre as políticas internas e externas das agências, definindo o que pode ou não ser visto e acessado pelos diferentes atores do campo: consumidores, anunciantes, fornecedores, funcionários e clientes. Em âmbito mercadológico, a governança algorítmica influencia diretamente a eficácia das campanhas, uma vez que as decisões automatizadas das plataformas determinam a distribuição e o alcance dos anúncios. Já em âmbito acadêmico, utilizando a governança como operador metodológico, as futuras pesquisas podem apurar como as plataformas implementam políticas de moderação de conteúdo, como as normas de publicidade são aplicadas de forma desigual e como as práticas de transparência e responsabilidade das plataformas afetam a confiança e a reputação dos anunciantes. Esse operador permite uma análise crítica das implicações éticas e regulatórias do poder algorítmico sobre o campo e o trabalho publicitário.

Cada uma dessas dimensões –infraestrutura de dados, mercados multilaterais e governança– oferece um enfoque metodológico específico que pode ser aplicado para analisar, de forma macro e micro, os impactos da plataformização no trabalho publicitário. Ao integrar esses operadores teórico-metodológicos nas pesquisas, acreditamos possibilitar o mapeamento das transformações estruturais e estratégicas que as plataformas digitais impõem à publicidade, o que proporcionará uma compreensão mais profunda das dinâmicas contemporâneas e das novas exigências e condutas para os profissionais e para os negócios do campo publicitário.


6. O QUE PODEMOS ESPERAR DO FUTURO? PONDERAÇÕES FINAIS

Destacamos que este ensaio é um dos frutos da nossa dissertação “Cartografia das lógicas de plataformização do trabalho publicitário”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (POSCOM) da Universidade Federal de Santa Maria, no ano de 2024. Esses achados de pesquisa nos levaram a muitos lugares, incluindo estes que foram aqui apresentados através das três dimensões da plataformização, propostas como operadores teórico-metodológicos que podem ser operacionalizados em futuras pesquisas e investigações sobre o trabalho publicitário.

Ao adotar essas dimensões –infraestrutura de dados, mercados multilaterais e governança– como lentes analíticas, evidenciamos como a plataformização reorganiza os processos produtivos, as estratégias e as práticas que definem o campo e o habitus publicitário.

A infraestrutura de dados, por exemplo, revela a centralidade do desempenho e da análise de grandes volumes de informação e dados que advém de plataformas e são analisadas pelos publicitários que hoje devem incorporar aos seus perfis uma habilidade analítica, de estudar, compreender e propor estratégias a partir de tais dados apurados. Porém, um desafio se desenha: como juntar o perfil criativo com o analítico? Pergunta que vale um olhar investigativo em uma futura pesquisa.

Enquanto isso, nos mercados multilaterais se destacam as novas formas de intermediação de negócios e monetização por e entre agências publicitárias, empresas e outros organismos que redesenham o ecossistema econômico e social no campo da publicidade. Com a horizontalização das relações de mercado, os contratos publicitários ganham outras dimensões comunicacionais e processuais. As interações contratuais se operacionalizam pelos complementadores: agências, clientes e fornecedores com as plataformas digitais. Isso ilustra o cuidado e a atenção que agentes da publicidade passam a ter com contratos de serviço, com os formatos de trabalho e de negócios, pelos novos cargos e setores idealizados pelas tendências algorítmicas e tecnológicas. Essa dimensão deve ser considerada com as outras duas, pois uma guia a outra.

Por fim, a governança, uma dimensão complexa, que integra em seu cerne, as políticas e regulamentos internos e externos das agências. Falando particularmente da governança algorítmica, esta ilustra as novas formas de controle e regulação que as plataformas exercem, impactando diretamente a visibilidade e a eficácia das mensagens publicitárias.

Este estudo abre caminhos para futuras investigações no campo da publicidade para que pesquisas futuras possam explorar, de maneira mais aprofundada, as implicações éticas e sociais da utilização massiva de dados no trabalho publicitário, especialmente no que diz respeito à privacidade dos consumidores e à transparência nas práticas de segmentação. Podem também serem realizados estudos que abordem além das lideranças, o que foi nosso caso na dissertação, pelo ponto de vista dos funcionários que estão na linha de frente atuando para as grandes agências publicitárias ou em empresas tecnológicas, buscando as percepções destes sobre o trabalho publicitário plataformizado. Outra linha de investigação interessante é a análise comparativa entre diferentes contextos regionais e culturais, investigando como as dimensões da plataformização se manifestam de maneiras distintas no sul global em comparação ao norte global, e como essas diferenças impactam o trabalho publicitário em diferentes mercados.

Em síntese, o ensaio proposto neste artigo contribui para o campo da comunicação com um framework metodológico que permite a análise crítica das transformações induzidas pela plataformização no trabalho publicitário. Ao utilizar as três dimensões como operadores metodológicos, oferecemos uma nova percepção para a investigação de um campo em constante mudança, destacando a necessidade de reflexões contínuas sobre as práticas e estratégias que moldam a publicidade contemporânea.


REFERÊNCIAS

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* Contribuição dos autores: a
concepção do trabalho científico foi realizada por ambos os autores. O projeto de pesquisa foi realizado por Rodrigues Pereira. A coleta, interpretação e análise dos dados ficaram a cargo de Rodrigues Pereira. A redação do manuscrito foi realizada por ambos os autores. Os autores revisaram e aprovaram o conteúdo final do manuscrito.

* Nota: o Comitê Acadêmico da revista aprovou a publicação do artigo.

* O conjunto de dados que apóia os resultados deste estudo não está disponível para uso público. Os dados da pesquisa serão disponibilizados aos revisores, se necessário.


Artículo publicado enaccesoabierto bajo la Licencia CreativeCommons - Attribution 4.0 International (CC BY 4.0).


IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES


Vitória Karina Rodrigues Pereira.
Doutoranda em Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria (Brasil). Mestra em Comunicação Midiática, Universidade Federal de Santa Maria na linha de Pesquisa Mídia e Estratégias Comunicacionais. Graduada em Comunicação Social, Publicidade e Propaganda, Universidade Franciscana (Brasil). Possuo experiências na área de criação publicitária, com ênfase em redação. Seus interesses de pesquisa são: ensino publicitário, formação publicitária, plataformização do ensino e plataformização do trabalho publicitário.

Juliana Petermann. Doutora em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Brasil), com estágio pós-doutoral na Universidade de Sevilha (Espanha). Docente associada no Departamento de Ciências da Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria (Brasil). Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria. Publicitária. Coordena o grupo Nós: Pesquisa Criativa (www.nospesquisacriativa.com.br), o Projeto de Ensino 50/50: abrindo portas para a equidade de gênero na comunicação e o Projeto de Extensão 4C - Observatório e Laboratório de Marcas da Quarta Colônia.


i Este artigo deriva da dissertação da pesquisadora Vitória Rodrigues Pereira e sua orientadora Professora Dra. Juliana Petermann que contou com o apoio financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil) - (Código de Financiamento 001). A pesquisa intitulada “Cartografia das lógicas de plataformização do trabalho publicitário” foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (POSCOM) da Universidade Federal de Santa Maria (Brasil) em 21 de fevereiro de 2024 e está disponível no Manancial digital da Instituição. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/handle/1/31913.

ii Disponível em: https://sites.google.com/view/plataformizacaodotrabalhonapp.

iii Refere-se ao uso de algoritmos para selecionar, organizar e apresentar conteúdo aos usuários em plataformas digitais. Esses algoritmos analisam dados de comportamento dos usuários para personalizar o conteúdo, destacando informações que provavelmente serão mais relevantes ou atraentes para cada indivíduo. Ver mais em: Bucher, 2018.

iv Além de Grohmann e Salvagni (2023), há também os estudos do grupo DigiLabour (https://digilabour.com.br/pt/home/), no Brasil, coordenado pelo professor Rafael Grohmann, o Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) sob coordenação da professora Roseli Fígaro (https://comunicacaoetrabalho.eca.usp.br/), o Projeto Fairwork que tem parceria com Instituições de Ensino Superior do Brasil (https://fair.work/en/fw/trabalho-decente-ja/) e também as pesquisas de Ludmila Abílio (2021).

v Refere-se a um mercado de trabalho caracterizado por empregos temporários, contratos flexíveis e trabalho autônomo, em vez de empregos permanentes com contratos fixos. Ver mais em: De Stefano, 2019.

vi Chatbots são robôs artificiais inteligentes. Também são conhecidos como bots e podem ser utilizados em diversos setores e áreas, como na publicidade e nas agências publicitárias. A incorporação deles pode ser feita em serviços de suporte ao cliente, de vendas on-line e outros. Em suma, eles são desenvolvidos para ou imitar, ou substituir o serviço humano.

vii Esse conceito surgiu em nossa dissertação de mestrado, em uma das entrevistas que fizemos. A definição para este termo é: “Uma noção que visualiza o todo, como um rastreio sobre o que está acontecendo no campo publicitário em um sentido de entender os dados públicos e as informações coletadas de forma extraoficial” (Rodrigues Pereira, 2024, p. 155).