Midiatização
e museus públicos
Mutações
comunicativas na crise socioclimáticai
Mediatización
y museos públicos
Mutaciones
comunicativas en la crisis socioclimática
Mediatization
and public museums
Communicative mutations in the socio-climate
crises
DOI:
https://doi.org/10.18861/ic.2025.20.1.3933
ADA
CRISTINA MACHADO SILVEIRA
ada.silveira@ufsm.br – Santa Maria – Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7554-2248
LUIZA
GUTHEIL BAYER
luiza.bayer@acad.ufsm.br – Santa Maria – Universidade Federal de Santa Maria, Brasil.
ORCID: https://orcid.org/0009-0003-2886-1937
CÓMO
CITAR:
Machado Silveira, A. C. & Gutheil Bayer, L. (2025).
Midiatização
e museus públicos. Mutações
comunicativas na crise socioclimática.
InMediaciones
de la Comunicación, 20(1).
https://doi.org/10.18861/ic.2025.20.1.3933
Data
de recebimento: 28 de setembro de 2024
Data de aceitação: 20 de fevereiro de 2025
RESUMO
O artigo aborda a midiatização da comunicação da agência museística frente à crise socioclimática, tomando como objeto de análise a atuação do Sistema Estadual de Museus do Rio Grande do Sul (SEM/RS) no Instagram durante os eventos climáticos extremos de maio de 2024. Refletimos sobre a incidência de tecnologias e da nova cultura digital num ambiente que historicamente se dedicou a zelar e prestigiar acervos que, desde a emergência da esfera pública, foram concebidos como exemplares superlativos e próprios da cultura analógica. Abordamos as mutações comunicativas dos museus, concebidos como instituições tradicionais, em seu movimento dirigido às plataformas digitais nesse período. A análise e sua reflexão permitem uma aproximação inicial e evidenciam que a estratégia digital atingiu seus objetivos ao engajar públicos e voluntários, mas sem aprofundar debates sobre políticas públicas. O estudo destaca que há muito por explorar no contexto de utilização das redes de mídias sociais pela agência museística no dia a dia de museus afetados por mudanças climáticas; e demonstra a importância da digitalização dos museus e da utilização de redes sociais na ampliação do alcance da comunicação museológica, especialmente em contextos de crise.
PALAVRAS-CHAVE: midiatização, comunicação museal, crise socioclimática, mutações comunicativas, plataformas digitais.
RESUMEN
El artículo aborda la mediatización de la comunicación de la agencia museística frente a la crisis socioclimática, tomando como objeto de análisis la actuación del Sistema Estatal de Museos de Rio Grande do Sul (SEM/RS) en Instagram durante los eventos climáticos extremos de mayo de 2024. Reflexionamos sobre la incidencia de las tecnologías y la nueva cultura digital en un ambiente que históricamente se ha dedicado a cuidar y honrar colecciones que, desde el surgimiento de la esfera pública, han sido concebidas como ejemplares superlativos y propios de la cultura analógica. Abordamos las mutaciones comunicativas de los museos, concebidos como instituciones tradicionales, en su movimiento hacia plataformas digitales durante este período. El análisis y la reflexión brindan un acercamiento inicial y muestran que la estrategia digital logró sus objetivos involucrando al público y a los voluntarios, sin profundizar en debates sobre políticas públicas. El estudio señala que hay mucho por explorar en el uso de las redes sociales por parte de la agencia de museos en la cotidianidad de los museos afectados por el cambio climático y demuestra la importancia su digitalización y del empleo de estas plataformas para ampliar el alcance de la comunicación museológica, especialmente en contextos de crisis.
PALABRAS CLAVE: mediatización, comunicación museal, crisis socioclimática, mutaciones comunicativas, plataformas digitales.
ABSTRACT
The article addresses the mediatization of the museum agency's communication in the face of the socio-climatic crisis, taking as an object of analysis the performance of the State System of Museums of Rio Grande do Sul (SEM/RS) on Instagram during the extreme climatic events of May 2024. We reflect on the incidence of technologies and new digital culture in an environment that has historically been dedicated to caring for and honoring collections that, since the emergence of the public sphere, have been conceived as exemplary superlatives and typical of analogue culture. We address the communicative mutations of museums, conceived as traditional institutions, in their movement towards digital platforms during this period. The analysis and reflection provide an initial approach and show that the digital strategy achieved its objectives by engaging the public and volunteers, but without deepening debates on public policies. The study highlights that there is much to be explored in the context of the use of social media networks by the museum agency in the daily life of museums affected by climate change; and demonstrates the importance of digitizing museums and using social networks in expanding the reach of museum communication, especially in crisis contexts.
KEYWORDS: mediatization, museum communication, socioclimatic crisis, communicative mutations, digital platforms.
1.
INTRODUÇÃO
Registramos inicialmente que abordar a midiatização frente ao interesse de museus públicos foi um processo que culminou com o enfrentamento das mutações comunicativas deflagradas pela crise socioclimática. Nesse contexto, o artigo buscou tratar da midiatização da comunicação da agência museística e as decorrências da sua digitalização. Nossa análise está detida, assim, na migração dos museus para as plataformas digitais no contexto da crise socioclimática contemporânea, o que levou a nos concentrar na mobilização produzida durante o mês de maio de 2024, quando eventos extremos colocaram a quase totalidade dos municípios gaúchos sob ameaça de risco severo de intempéries climáticas. Como objeto de analise nos atentamos a atuação do Sistema Estadual de Museus do Rio Grande do Sul (SEM/RS) no Instagram durante os eventos climáticos extremos de maio de 2024. Possibilitou-se a compreensão de que, com sua presença no Instagram, a gestão do órgão buscou marcar sua preocupação com as instalações físicas, integridade de acervos e de pessoal de um complexo composto pelos 491 museus que se encontram registrados na plataforma MuseusBR, em sua maioria registrados como entes públicos.
O ato de presença do SEM/RS num momento em que graves acontecimentos tomavam a agenda noticiosa levou-nos a estudar o que foi comunicado no feed da rede de mídia social do representante dos museus gaúchos, dado tratar-se de um nicho especializado. A profusão de notícias a respeito dos eventos socioclimáticos tinham outras preocupações, especialmente detidas no impacto sobre as residências e seus moradores. Desta maneira, no momento em que o Rio Grande do Sul (RS) praticamente era devastado por um evento climático extremo, a rede institucional de museus mobilizou-se a transpor a distância do analógico com o digital para posicionar-se. A análise busca demonstrar a pretensão de reproduzir na mídia social os valores informativo e instrutivo das publicações que caracterizam a atividade do SEM/RS e seu caráter responsivo naquele período dramático.
Indagamos se a interação não situada territorialmente atingiu seus propósitos. Ou, antes, que tipo de interações foram buscadas? Pretendeu-se realizar uma denúncia da inclemência da natureza climática? Do descuido das autoridades? Da ausência de políticas públicas em defesa da memória, do patrimônio e das pessoas? Da incapacidade humana e social de enfrentar os acontecimentos climáticos extremos?
Partimos do pressuposto de que a iniciativa do SEM/RS no Instagram amplia a discussão sobre a midiatização de museus públicos enquanto agência, buscando avaliar a busca por interações e ampliação de circuitos comunicativos num momento de crise. Nosso propósito consiste em buscar reconhecer as mutações comunicativas que advém de tal processo. A partir de leituras de autores que discutem midiatização, comunicação em museus, redes sociais e uso de Instagram por museus, além de uma observação do objeto e coleta através de print screens que possibilitou a análise, pode-se chegar na reflexão apresentada no presente artigo, que está estruturado em cinco seções.
Registramos, inicialmente, uma síntese do percurso da cultura museística apoiada em acervos analógicos para a digitalização. Para isso, utilizamos autores que trabalham algoritmos e a reprodutibilidade em museus (Benjamin, 2014; D’Andrea, 2020). Posteriormente, apresentamos aspectos sobre nossa compreensão da midiatização de uma agência museística e como podemos apreender aspectos de suas manifestações operacionais numa rede de mídia social digital específica. Foram utilizadas reflexões de diferentes autores que tratam de midiatização, comunicação e midiatização em museus. Na seção seguinte, nos dedicamos a apontar práticas de comunicação nos museus, apoiadas em autores que refletem mudanças advindas da expansão das tecnologias da informação e comunicação e usos do Instagram no ambiente museológico, seguida de anotações sobre alguns usos do Instagram para a comunicação em museus para, na seção seguinte, apontar algumas mutações da comunicação no evento climático extremo ocorrido em maio de 2024 no RS. O artigo finaliza com considerações finais que sinalizam aspectos das indagações registradas no começo do relato.
2. CULTURA MUSEÍSTICA, DO ANALÓGICO AO
DIGITAL
Desde que Walter Benjamin (2014) inaugurou o debate sobre a obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, estabeleceu-se a questão sobre o valor do exemplar original frente a sua cópia. A noção de esgotamento da aura da obra de arte continua despertando a atenção (Sahakian, 2023). Nosso propósito, aqui, no entanto, é outro. Trata-se da exposição deliberada de um ente público, o museu, no ambiente de uma mídia social.
Habitualmente os serviços aí estabelecidos restringem-se a agendamentos, promoções de atividades coletivas e públicas, visitações virtuais ou reportagens audiovisuais de atividades realizadas presencialmente. O alcance da circulação de tais conteúdos registrados pela coleta de métricas e suas interações deliberadas permite advertir uma pequena parte concebida numa perspectiva mercadológica que, no entanto, tem servido para as instituições públicas envidarem esforços que as levam a reproduzir seus atos de presença no fluxo circulatório das mídias sociais.
Ingressar no fluxo de circulação digital, seja através de uma fotografia, de um cenário interior, um grupo de pessoas, uma hashtag, são atos que banalizaram a presença nas mídias sociais. A midiatização do museu enquanto integrante de um sistema institucionalizado implica na dilatação da esfera pública com seu entorno digital e tal recorrência produz implicações diversas, nem sempre alcançadas à consciência por seus agentes.
Ao ingressar numa plataforma, muitos desafios inéditos são interpostos à comunicação em museus, especialmente a opacidade com que critérios de recomendações são utilizados. O segredo do nível “industrial” com que os algoritmos são adotados nos feeds é um tema que muitos pesquisadores têm se dedicado a debater (D’Andrea, 2020). A governança das plataformas de mídia social escapa a qualquer tipo de controle dos usuários e mesmo de patrocinadores e, junto de termos de uso sem precisão, compõem a precariedade de dados disponíveis para compreender o fenômeno. A restrição do Instagram frente ao Facebook ao não permitir o compartilhamento no feed, realizando severo controle social sobre as interações daí decorrentes e sinalizando “que conteúdos audiovisuais inéditos são mais bem-vindos do que sua reprodução” (D’Andrea, 2020, p. 52) são alguns fatores limitantes, ainda que a reportagem possa ocorrer por serviços externos. Em que pesem todos estes fatores, tomados como affordances que exigem adestramento dos usuários, uma plataforma de mídia social ainda é o meio mais eficaz e econômico de buscar a comunicação midiatizada.
Neste sentido, muitas questões ficarão fora da análise que pudemos realizar a partir de uma coleta de dados realizada sob forte pressão emocional e ambiental. Prosseguimos, no entanto, com a consciência de que as plataformas digitais são ambientes em constante transformação. Assim, as dúvidas de pesquisa em muitos aspectos confundem-se com as dúvidas dos usuários de plataformas.
3. MIDIATIZAÇÃO DA AGÊNCIA MUSEÍSTICA
A implantação da esfera pública burguesa tem nos museus uma agência consagrada. Por instâncias da burguesia europeia, a aristocracia e a corte concederam acesso a bens culturais, artísticos, relíquias e um sem-fim de documentos e objetos de colecionismo. O acesso aos espaços museísticos e aos acervos catalogados a partir disso como “de interesse público” marcaram a aparição de uma nova classe social e seus valores (Habermas, 1982). Criou-se, assim, o hábito do consumo cultural de obras dispostas ao usufruto e interesse público e consagrou-se o regime representacional dos museus como ambiente de colecionismo de objetos.
A ideia de museus de maneira afastada da realidade dos visitantes ou de isolamento no tempo tem dado espaço, especialmente desde os movimentos da museologia da segunda metade do século XX, como os que originaram a Declaração da Mesa de Santiago, em 1972 (Primo, 2011), a uma renovação significativa no pensar museus em favor de uma concepção que os torna espaços que representam a sociedade ao seu redor através da curadoria de seus acervos.
Nesse sentido, percebe-se que cada vez mais os museus têm buscado além do estudo, da preservação e da comunicação de seus acervos, modernizarem-se para se fazerem compreendidos pela sociedade atual. E, considerando que interagimos socialmente de modo cada vez mais midiatizado (Silva Neto, 2022, p. 75), isso inclui, entre outras coisas, novas formas de se comunicarem com seus públicos, abarcando-se a inserção das tecnologias de informação e comunicação no seu dia a dia, a atualização de temáticas das exposições e abordagens de acervos adaptadas às linguagens da sociedade midiatizada.
Outro ponto a ser observado é que a museologia há muito debate se o próprio museu pode ser considerado um meio de comunicação, conforme registrado pelo International Council of Museums (ICOM, 1992). Outros autores expandem o debate (Ferreira, 2020; Mancas et al., 2009; Levasseur & Verón, 1989) acerca da exposição museológica como um meio midiático, através do pensamento de que por meio de sua linguagem própria há uma transmissão e circulação de uma informação no espaço museológico. De qualquer maneira, a análise comunicacional do museu, suas exposições e interação com o público devem considerar a sua inserção em um contexto histórico-social, que resulta em sentidos compartilhados próprios daquela sociedade onde está localizado. Por conta disso, é constante também, a adaptação e incorporação de tecnologias, além da inserção dos museus em espaços de interação digitais, como as redes sociais digitais, a fim de manter e até adquirir novos vínculos com o público, o que reforça a ideia de que os museus buscam se adaptar ao modo de vida da sociedade atual para manterem-se nesse espaço cada vez mais complexo e competitivo.
Nesse contexto de atualização e presença dos museus em ambientes digitais, demonstrando sua inserção na sociedade midiatizada, destaca-se o conceito de “mundos midiatizados” (Hepp, 2014, p. 53), que para Hepp mobiliza certos mundos sociais, que dependem constitucionalmente de uma articulação pela comunicação midiática, tornando-se o nível em que a midiatização pode ser analisada empiricamente. Os mundos midiatizados podem ser pesquisados por diversos aspectos, como: possuir uma rede de comunicação além do âmbito territorial, existir em diferentes escalas e ser entrelaçados entre si. Esses apontamentos fazem-se interessantes para pensar a relação criada ou alterada entre os museus em si e entre os museus e seus públicos, que saem dos espaços físicos tradicionais e criam vínculos próprios das redes de mídias sociais digitais.
4.
A COMUNICAÇÃO EM MUSEUS
O mês de maio tradicionalmente tem importância, no contexto museológico brasileiro e mundial, pelo Dia Internacional dos Museus e a Semana dos Museus, resultando em ampla programação nos espaços culturais (Instituto Brasileiro de Museus [IBRAM], 2022) e evidenciando a comunicação museal em suas formas mais convencionais, como as exposições, divulgação, ações educativas e mediação dos visitantes (Cury, 2005). No entanto, ainda nos últimos dias de abril de 2024 iniciaram os primeiros alagamentos do que seria o maior desastre socioambiental da história do RS: foram 475 municípios afetados, inúmeros animais e pessoas feridas e desabrigadas; e 172 pessoas falecidas em razão das enchentes até 3 de junho de 2024 (Defesa Civil/RS, 2024).
Os eventos climáticos extremos que assolaram o estado gaúcho destruíram patrimônios, comércios, plantações, casas e vidas. Este fato trouxe a reflexão sobre como a comunicação nos espaços museológicos ocorreu nesta situação de caos no RS. Nesse contexto, percebeu-se que o Instagram surgiu como importante plataforma de interação entre museus e usuários, atuando além do tradicional compartilhamento de memórias, dos patrimônios e representações, mas especialmente para a transmissão de instruções e informações advindas dos espaços museológicos e de seus órgãos responsáveis.
Ressalta-se que as novas mídias, como o Instagram, unem instituições museológicas e seus públicos gerando um estreitamento de laços, o que faz com que cada vez mais estes espaços virtuais sejam utilizados como suporte para a comunicação museal, conforme Chaves, Paulo e Serres (2016), que também destacam a importância dos meios digitais como instrumento para divulgação dos acervos e exposições. Mesmo com as diferenciadas características apresentadas pelos museus do mundo físico e do ciberespaço, como a adequação da linguagem ao meio, a interação social segue sendo essencial para os museus (Carvalho, 2012). Nesse sentido, evidencia-se a relevância das pesquisas em midiatização para a análise da comunicação museológica, destacando as reflexões dessa abordagem teórica para pensar na evolução das sociedades e das mídias a partir da interação destas (Hepp, 2014).
As constantes adaptações que os museus têm passado para se enquadrar às mudanças na forma como as pessoas se relacionam com o mundo e com os outros, por conta das diversidades sociais e da expansão das tecnologias de informação e comunicação, “enfatizam as dificuldades” (Remelgado, 2014, p. 23). O impacto do desenvolvimento dessas tecnologias nos museus e nas suas relações com os públicos virtuais é inegável e se tornou ainda mais relevante a partir do período pandêmico de COVID-19, quando o Instagram destacou-se como uma das redes de mídias sociais digitais que mais cresceram em números de usuários (Freitas et al., 2020). Além de selecionar enfoques, como forma de comunicar seus “objetos”, sua característica interativa colabora na relação das pessoas com os museus, pois além das ferramentas como curtir, comentar, compartilhar, o Instagram possibilita o contato direto com o museu através de postagens voluntárias e gratuitas, mostrando-se como canal de comunicação museológica (Chaves, Paulo & Serres, 2016) e colaborando para a ampliação de suas interações no universo da cultura digital.
5.
A COMUNICAÇÃO NO EVENTO CLIMÁTICO EXTREMO
A partir do estímulo federal para a criação de sistemas estaduais voltados a sistematizar, integrar e incentivar os museus dos diferentes estados brasileiros é criado em 1991 o SEM/RS, um órgão da Secretaria de Estado da Cultura (SEDAC), dividido em sete Regiões Museológicas que abrigam os 491 espaços museológicos registrados no estado. O registro oportuniza apresentar outra plataforma dedicada ao tema, trata-se de MuseusBR (IBRAM, 2024), de iniciativa do Instituto Brasileiro de Museus, que reúne informações sobre os museus brasileiros, como dados do Cadastro Nacional de Museus, com registros anuais de visitação e acesso aos sites e redes sociais desses espaços. A plataforma oferece um catálogo dos museus brasileiros, com opção de filtragem de pesquisa, além de permitir que os visitantes contribuam com informações para o mapeamento dos museus brasileiros.
Segundo MuseusBr (IBRAM, 2024), o RS é o segundo estado no Brasil com o maior número de museus registrados, embora sua população seja de apenas de cerca de 10 milhões de habitantes, menos de 5% da população brasileira. Há um museu por município, como média. Muitos destes utilizam o Instagram como forma de comunicação em razão da facilidade de compartilhamento de informações por stories que possibilitam a postagem por 24h ou por feed de notícias onde o conteúdo segue registrado; além da diversidade de ferramentas de publicação de conteúdo como imagens estáticas (fotos, banners gráficos, figuras) ou vídeos, sejam em formatos de reels ou não.
Em razão das dificuldades de alguns museus em manter uma comunicação ativa e da compreensão do SEM/RS como representante dos museus gaúchos, optou-se por analisar as postagens deste órgão, a fim de compreender o que ele postou em seu Instagram em maio de 2024. Em um primeiro momento observou-se as postagens na conta do SEM/RS do mês de maio nos anos de 2023 e 2024, a fim de ampliar a percepção sobre comunicação em museus, realizar uma comparação preliminar e compreender se houve uma mudança de foco.
Após breve observação, num primeiro movimento analítico, foi possível perceber que mesmo o mês de maio sendo tradicionalmente o mês de maior interação entre os museus e seus públicos, foram 11 postagens no mês de maio de 2023 em comparação aos 16 posts feitos no mesmo mês em 2024. Além disso, enquanto as postagens de maio de 2023 estavam voltadas à divulgação da programação da Semana Nacional dos Museus, à comemoração do Dia Internacional dos Museus e à divulgação de programas governamentais relacionados a museus, os posts feitos em maio de 2024, mesmo que abordando outras temáticas, estavam todos relacionados ao evento climático extremo que afligiu o solo gaúcho.
Ressalta-se que apesar de acompanhar a conta do SEM/RS diariamente, observando suas diversas formas de publicação, além de observar as interações com as curtidas nos posts analisados, o presente estudo voltou-se a relatar nesse recorte apenas o que foi publicado no feed de notícias do perfil @semrsmuseus no Instagram. As publicações analisadas, que contavam com vídeos e imagens estáticas de diferentes formatos, como fotografias, banners gráficos e montagens utilizando fotografias e textos, foram coletadas e salvas por meio de printscreen e organizadas por ordem de publicação no Quadro 2, enquanto suas informações estão descritas ao longo da categorização produzida.
Reconhecemos que houve descuido na observação da vinculação das publicações no feed do Instagram às localidades a que se referiam. Seria importante registrar articulações entre imagens, lives, hashtags, legendas ou emojis, como sugere D’Andrea (2020). A Imagem 1 –bem como as imagens 2, 3, 4, 5 e 6–, seguidas por sua descrição, analisam alguns destes aspectos.
Imagem
1.
Publicação
no feed
do SEM/RS (03 de maio de 2024)
Fonte:
Cópia
de tela do Instagram do SEM/RS realizada pelas autoras (2024).
A primeira postagem realizada pelo SEM/RS no mês de maio é do dia 3, comunicando que as instituições vinculadas à SEDAC permaneceriam fechadas até 7 de maio (Imagem 1). O texto destaca que o foco no momento era em ações preventivas para preservação do patrimônio, acervos e enfatiza a importância de todos manterem-se em segurança e permanecerem atentos aos alertas da Defesa Civil e do Governo do RS. Além disso, são trazidos dados oficiais e é feita uma indicação da conta oficial do governo estadual para informar-se sobre como ajudar as vítimas da enchente. Observou-se a utilização de emojis que relacionavam-se com o texto, remetendo à alerta, indicação de informação e fixação de dados. Além disso, foram utilizadas as hashtags #acessibilidade #tragedianoRS #enchente #secretariadaculturadors #sedac #governodors #ofuturonosune, o que resultou em 9 curtidas na publicação.
Imagem
2.
Publicações
no feed
do
Instagram do SEM/RS dos dias 11, 14 e 16 de maio de 2024
Fonte:
Cópia
de tela do Instagram do SEM/RS realizada pelas autoras (2024).
Nos dias que se seguiram, a conta do SEM/RS no Instagram demonstrou uma atenção maior aos stories, tendo feito uma nova postagem em seu feed mais de uma semana depois do inicial, no dia 11 de maio. Esta atentou-se a indicar onde as pessoas poderiam atualizar-se dos dados sobre a catástrofe e como poderiam pedir ajuda; enquanto a segunda postagem da mesma data informou que a SEDAC/RS havia flexibilizado prazos e normas para projetos culturais durante o estado de calamidade e deu indicações de como ocorreriam as próximas fases dos editais, com ajustes dos prazos. Além disso, é indicado um fomento para que a área da cultura do estado possa se reconstruir assim que possível. Ambas publicações fizeram uso das hashtags #acessibilidade #tragedianoRS #enchente #secretariadaculturadors #sedac #governodors #ofuturonosune. Emojis que remetem a indicação e fixação de informação, além de documento, movimento e oração também foram utilizados como forma complementar ao texto. As curtidas demonstraram breve interação com o público, com 8 e 6 curtidas, respectivamente.
No dia 14 de maio foram realizadas duas postagens na conta do SEM/RS, a primeira convida as pessoas que fazem parte da rede de apoio para recuperação de acervos do estado do RS, integram equipes de um museu atingido ou tem interesse em colaborar para a ação emergencial de orientações e instruções para início do resgate dos acervos, indicando os links para as três lives gratuitas e abertas no canal do Youtube do Labcon da Universidade Federal da Santa Catarina (UFSC) (Quadro 1). A publicação não fez uso de articulações como emojis em hashtags, mas recebeu 67 curtidas.
Quadro
1.
Links das
lives
disponibilizadas para o apoio à recuperação
de acervos
Fonte:
Elaborado pelas autoras (2024).
Já a segunda postagem da data diz respeito a um convite da SEDAC/RS para uma força-tarefa de recuperação dos museus, bibliotecas e acervos de municípios atingidos pelas enchentes e indica um mapeamento de profissionais especializados, empresas e voluntários para atuarem nesta recuperação do patrimônio cultural, através de preenchimento de um formulário para voluntários, ainda apresentou-se algumas necessidades emergenciais. A publicação utilizou as hashtags: #acessibilidade #tragedianoRS #enchente #museus #bibliotecas #patrimonio #acervo #secretariadaculturadors #sedac #governodors #ofuturonosune, além de emojis que remetem a união e força, o que resultou em 3.868 curtidas, tornando-se a postagem daquele perfil com mais reações durante todo o mês.
Imagem
3.
Publicações
no feed
do Instagram do SEM/RS nos dias 16, 17 e 18 de maio de 2024
Fonte:
Cópia
de tela do Instagram do realizada pelas autoras (2024).
No dia 16 de maio, o @semrsmuseus compartilhou um link para o canal do governo do RS no Whatsapp e destacou a importância de afastar-se das fake news, especialmente no momento de calamidade. Já no dia 17, foram realizadas duas postagens. A primeira, em conjunto com o Movimento Cultura, demonstra em vídeo as ações de recuperação do patrimônio da cidade de Igrejinha, que haviam iniciado no dia anterior, com o destaque de que o museu, o arquivo e a Biblioteca de Igrejinha foram fortemente atingidos pela enchente e foi solicitado o acompanhamento técnico da empresa Movimento Cultura e do SEM/RS para o direcionamento das ações de salvamento dos acervos. A segunda postagem, do dia 17, relata o lançamento do Plano Rio Grande, criado para tratar das ações de mitigação dos efeitos da catástrofe climática e da reconstrução do estado. A legenda traz detalhes de como ocorreria , além de destacar outras ações feitas pelo governo do RS para a reconstrução do estado. As três publicações utilizam de emojis junto ao texto. No entanto, apenas a última faz uso das hashtags: #acessibilidade #tragedianors #enchente #planoRioGrande #secretariadaculturadors #sedac #governodors #ofuturonosune. As postagens receberam 5, 453 e 5 curtidas, respectivamente.
A publicação do dia 18 de maio, Dia Internacional dos Museus, trouxe um vídeo da coordenadora do SEM/RS em frente às águas da enchente relatando a situação dos museus gaúchos, indicando ações a serem feitas e fazendo votos de uma comemoração da data no próximo ano. A legenda destaca a solidariedade na data, ressaltando que os museus do estado estão recebendo orientações quanto aos resgates do acervo. Além disso, evidenciou-se uma coordenação de trabalho pelo Governo do RS, Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), ICOM-Brasil, universidades, além de restauradores e outros profissionais. As hashtags #sistemaestadualdemuseus #sedacrs #governodors #patrimônio foram utilizadas na legenda, o que resultou em uma reação de 95 curtidas.
Imagem
4.
Publicações
do feed
do
Instagram do SEM/RS nos dias 20 e 21 de maio de 2024
Fonte:
Cópia
de tela do Instagram realizada pelas autoras (2024).
As postagens dos dias 20 e 21 de maio, seguindo um caráter de serviço, atentaram-se a informar sobre o cancelamento de encontros presenciais com as Regiões Museais devido ao estado de calamidade do RS; e informar sobre o adiantamento de pagamentos para projetos aprovados em editais anteriores, em razão da crise climática que assola o RS. Os links para o acesso foram disponibilizados, reforçando um caráter de serviço. As duas publicações fazem uso das hashtags #tragedianoRS #enchente #secretariadaculturadors #sedac #governodors #ofuturonosune. Além disso, a primeira acrescenta #diadopatrimonio e a segunda #leipaulogustavo #LPG, remetendo aos seus conteúdos individuais. A publicação do dia 21 inclui ainda um emoji que remete a alerta, de forma complementar ao seu texto. As postagens receberam 25 e 6 curtidas, respectivamente.
Imagem
5.
Publicações
no feed
do Instagram do SEM/RS nos dias 24, 27 e 28 de maio de 2024
Fonte: Cópia de tela do Instagram do realizada pelas autoras (2024).
Entre os dias 24 e 28 de maio, a conta do SEM/RS no Instagram trouxe uma sequência de quatro postagens, três delas em conjunto com a empresa Movimento Cultura, relatando a situação de Museus, Bibliotecas e acervos afetados. Formas de preservação e restauro de alguns patrimônios danificados também foram compartilhadas. A primeira postagem do dia 24 utiliza um emoji de “sos” e destaca o Patrimônio de Igrejinha/RS, contextualizando os danos do Museu, da Biblioteca e do Arquivo Municipal com as enchentes, atentando-se às inúmeras perdas causadas pela enchente e ao início das atividades de recuperação dos acervos no dia 8 de maio. Foi citado o apoio da empresa Movimento e do Sistema Estadual de Museus, pela percepção da importância do Estado nas ações de resgate; e ressaltou-se o suporte da equipe da Secretaria de Cultura e Turismo do município de Igrejinha, que a partir das orientações iniciou as ações de recuperação. A reação do público foi de 254 curtidas, demonstrando engajamento com a situação.
A segunda postagem, de 24 de maio, segue a temática da recuperação dos acervos em meio às enchentes, com o destaque de que estão sendo mapeados os danos nas instituições museológicas cadastradas e há dificuldades devido a muitas delas não atualizarem seus cadastros. São detalhados os procedimentos feitos para o resgate de acervos atingidos pela enchente, enfatizando a criação de um cadastro de voluntários para atuar junto às instituições municipais e particulares, com 484 pessoas cadastradas até a data da postagem, sendo 313 delas técnicos e especialistas na área de patrimônio e 24 de voluntários. Além disso, a legenda enfatiza a utilização de tecnologia, sobrepondo imagens de satélite da inundação sobre o mapa interativo de museus do Estado, usada para o mapeamento e contato com espaços museológicos possivelmente atingidos, estando muitas delas ainda incomunicáveis naquele momento. Chegou-se, segundo a legenda, inicialmente a 50 museus que possivelmente teriam sido afetados, dos quais 23 ainda não haviam sido contatados até então. Constatou-se que 19 confirmaram inundações e 22 sofreram transbordamento de calhas e goteiras pelas intensas chuvas. Na data da postagem algumas destas instituições museológicas já haviam iniciado a retirada e cuidados com seus acervos. As hashtags #sedacrs #sistemaestadualdemuseus #patrimônio #enchente #ajudars foram utilizadas na publicação gerando 106 curtidas.
No dia 27 de maio, a conta do SEM/RS, em postagem conjunta com a empresa Movimento Cultura, seguiu compartilhando as ações de recuperação dos acervos. O vídeo publicado demonstra a equipe da empresa Movimento realizando o processo de higienização de fotografias no município de Igrejinha/RS. A legenda destaca o tratamento de fotografias do acervo da biblioteca, o trabalho da equipe e que o processo estava sendo realizado de forma simples e improvisada, dentro da realidade possível e com o apoio e orientação de profissionais de conservação e restauro.
Já a postagem de 28 de maio dá sequência às ações com um vídeo que apresenta o congelamento de documentos. A legenda especifica que no vídeo a equipe realiza o processo de congelamento das partituras e livros de Gustavo Adolfo Koetz, músico e compositor que dá nome ao Museu e à Biblioteca de Igrejinha/RS. Além disso, é ressaltado que os documentos em processo de congelamento estão passando por uma medida emergencial, para possibilitar sua restauração no futuro, em razão de terem sido atingidos pela enchente. Ambas publicações fizeram uso de emojis que remetem a “sos” e a filme fotográfico, além da primeira utilizar também um emoji de câmera fotográfica e a segunda o de um pergaminho, o que remete diretamente aos seus conteúdos individuais. As reações também foram semelhantes, enquanto a primeira obteve 119, a segunda gerou 120 curtidas.
Imagem 6. Publicação no feed do Instagram do SEM/RS no dia 29 de Maio
Fonte:
Cópia
de tela do Instagram do realizada pelas autoras (2024).
A última postagem realizada pela conta no mês de maio foi no dia 29, agradecendo aos voluntários que se cadastraram para participar do resgate de acervos das instituições museológicas afetadas pelas recentes enchentes do RS. A legenda enfatiza que, por conta do apoio dos voluntários, muitos acervos importantes foram retirados da situação de risco e que a ação imediata e incansável desses voluntários foi essencial para preservação e reconstrução do patrimônio cultural do estado gaúcho. Por fim, é evidenciado o trabalho conjunto para ações significativas e agradece a rede de reconstrução dos espaços museológicos afetados no estado. As hashtags #patrimonio #enchente #riograndedosul #sedacrs #semrs #ofuturonosune foram incluídas na legenda e produziram 51 curtidas.
A partir disso, para proceder à categorização das postagens, consideramos tomar como vídeos aquelas publicações de imagens em movimento, e por imagens as que estavam estáticas, mesmo que em carrossel (sequência de várias imagens), descrevendo as diferenças das imagens (banner gráfico ou fotografias em carrossel) durante a análise. Além do formato da postagem, observamos sua origem, se era feita em colaboração com outro órgão, ou se pelo próprio SEM/RS. Neste caso, foi observado ainda se as publicações traziam informações específicas do órgão ou de uma instância superior de governo, como a SEDAC/RS, ou o próprio Governo Estadual. O último item a ser observado foi o caráter ou função da publicação, dividindo-os segundo as categorias de: informacional/serviço, convite/cadastro, relatório/descrição de salvamento ou relatório/agradecimento, conforme apresentamos no Quadro 2. Para proceder a essa operação, foi necessário analisar o conteúdo verbal e visual das publicações.
Destacamos que não é objetivo do recorte produzido propor uma análise aprofundada dos conteúdos publicados. Reiteramos o intento de buscar perceber quais eram as postagens e categorizá-las de forma a refletir sobre o caráter das publicações do órgão representante dos espaços museológicos gaúchos em suas redes de mídias sociais nesse momento de crise a partir dos recursos que se mostraram disponíveis, como mostra o quadro a seguir.
Quadro
2.
Categorização
das publicações no Instagram do SEM/RS em maio de 2024
Fonte:
Elaborado pelas autoras com base nas informações do Instagram do
SEM/RS (2024).
A partir da análise percebeu-se que das 16 publicações, 5 são produzidas em colaboração com outro órgão ou instituição e 11 se originam do SEM/RS. Das publicações veiculadas, 5 contam com conteúdo do próprio órgão e 6 são oriundas da SEDAC/RS ou do Governo do Estado. Nesse sentido, ressaltamos que o SEM/RS é um órgão governamental, ligado à SEDAC/RS. Resulta que muitas postagens são amplas e feitas para serem publicadas em mais de um órgão, e outras postagens, como pudemos ver, são feitas em colaboração com ambientes voltados à cultura e preservação de acervos.
Quanto ao formato, 12 das publicações utilizaram imagens estáticas, sendo que pode ser observado que as publicações com conteúdo próprio se utilizaram de fotografias e cards em carrossel, enquanto aquelas que compartilhavam conteúdos próprios do Governo do Estado ou da SEDAC/RS utilizavam apenas um banner gráfico com texto. Já quanto aos 4 vídeos publicados, ressalta-se que apenas um dos vídeos não foi em colaboração com a empresa Movimento Cultura, justamente o referente ao Dia Mundial dos Museus. A respeito do caráter ou função da publicação, através do relato foi possível perceber que 7 das postagens estão voltadas à informação ou serviço; 2 postagens direcionam-se a convite para eventos ou cadastro de voluntários; 5 focam em relatar e descrever os salvamentos dos acervos; e 2 apresentam também relatórios, mas em caráter de agradecimento.
Dentre as publicações que mais receberam reações estão, com 3.868 curtidas a do dia 14 que convida os voluntários para a recuperação dos acervos dos espaços culturais gaúchos a se cadastrarem; com 453 curtidas a publicação do dia 17 que mostra em vídeo o início do trabalho de recuperação do município de Igrejinha/RS; e com 254 curtidas a do dia 24 que contextualiza a situação do patrimônio deste mesmo município e traz imagens em carrossel para mostrar o início da recuperação. Destaca-se que apenas a primeira das publicações com mais reações utilizou de hashtags, enquanto as três com maior reação fizeram uso de emojis em articulação com o texto.
6. AS MUTAÇÕES DA COMUNICAÇÃO NO
EVENTO CLIMÁTICO EXTREMO
A ponderação de que o conteúdo do feed de notícias e dos vídeos do reels do Instagram manifesta-se para os usuários por meio de um algoritmo de recomendação que, a par da publicação voluntária de seu autor, está regido por uma lógica de mídia social não se mostra como suficiente para compreender seu modelo de governança. Longe desta lógica operar conforme a experiência do autor da postagem e de seu vínculo de relações, ela avança em favor dos interesses da própria mídia social e opera sob seus parâmetros específicos de popularidade e de engajamento (van Dijck & Poell, 2013). Essa condição supõe muitos desafios para a análise da atividade nas redes sociais cujos fundamentos são resguardados por interesses da própria indústria cultural como bem privado de seu modelo de negócio.
Em que pesem tais fatores, geralmente ignorados pelos usuários, o uso das redes de mídias sociais pelos museus vai ao encontro da ideia de que a agência museística necessita manter-se atualizada para interagir com a sociedade e evidencia a inserção desses espaços frente à crescente midiatização. Ressaltamos que a atividade museal possui dificuldades de recursos humanos para implementação de soluções tecnológicas, num contexto em que se discute a criação de ambientes virtuais imersivos, a realidade mostra a necessidade de literacia digital para o desenvolvimento de habilidades necessárias a partir do uso de diferentes tecnologias (Passarelli, Junqueira & Angeluci, 2014). A agência museística pode capacitar-se como ambiente propício à promoção de leituras contra hegemônicas de desinformação, ou de mensagens e campanhas publicitárias, por exemplo (Machado, Burrowes & Rett, 2020).
Além disso, entendemos que, enquanto discutimos grandes tecnologias informacionais, são as redes de mídias sociais, como Instagram, que se mostram exitosas justamente por mostrarem-se viáveis e próximas da realidade dos profissionais que atuam em espaços museológicos locais, de recursos restritos e carentes de políticas de apoio e incentivo. A partir desta reflexão e da compreensão de que nem todos os museus têm condições humanas, físicas e financeiras de ter uma comunicação ativa, apresentou-se a análise de uma conta no Instagram de um ente público. A cartografia realizada de maneira improvisada em meio ao tormento em que vivíamos, sob chuvas intensas e continuo desbordamento de rios, alagamento de vias urbanas e residencias, queda de pontes, soterramento de comunidades e tantos outros aspectos da tragédia socioambiental, teve na mídia social uma possibilidade de manifestação e clamor pela vida de pessoas e de espaços museísticos.
A agência museística apelou sem garantias de controle da circulação de seus conteúdos uma vez que, frente ao caos e precariedade em que se atuava, as operadoras de Internet abriram seus sinais e franquearam amplo acesso aos moradores do RS para facilitar os resgates (Melo, 2024). Decisões como essa permitiram que a sociedade permanecesse atuando como agência informativa e até celebrizasse a icônica imagem de um cavalo que se manteve no telhado por vários dias e que rodou o mundo (Machado Silveira & Fanfa, 2024).
Evidentemente, que como órgão integrante do Governo, percebe-se que não houve por parte do SEM/RS tom de crítica nas publicações, nem fomentou-se um aprofundamento nas discussões sobre questões climáticas e políticas públicas voltadas para esses locais. Mas, para além da comoção e da dor de perder parte do patrimônio salvaguardado nos espaços museológicos gaúchos, a conta de Instagram em análise atentou-se inicialmente a questões emergenciais referentes a preservar a vida humana, com postagens informativas, que visaram instruir a população em um momento de medo e caos, com indicações de como agir em caso de desabrigo ou de necessidade de auxílio, por exemplo. Posteriormente passou-se a inserir instruções sobre desinformação, adiamento de editais e cadastramento de voluntários; e por fim posts voltados à retomada das ações, voltadas para a reconstrução do patrimônio cultural gaúcho.
As mutações comunicativas observadas a partir da análise destacam o intento responsivo do SEM/RS no sentido de circular conteúdos voltados à temática do evento climático extremo. Tal posicionamento definiu-se em contrapartida aos conteúdos abordados habitualmente por espaços museológicos, como o compartilhamento de informações oriundas de órgãos como o governo do estado, não só com o foco no ambiente museal, mas na segurança humana, e a busca por informar os seguidores utilizando diferentes formatos de publicações. A mobilização ativa do órgão representante dos museus gaúchos no Instagram durante este período indica ainda a mutação de ações comunicacionais e de mobilização antes prioritárias do ambiente museal tradicional, agora migrando para o ambiente virtual. Ademais, percebe-se que nos diferentes conteúdos publicados, a conta do SEM/RS no Instagram esteve durante o mês de maio de 2024 totalmente dedicada às questões que surgem em consequência dos eventos climáticos extremos. No entanto, através da contagem das curtidas nas publicações, as postagens que trataram da recuperação dos acervos e que buscaram voluntários para esse processo foram as que mais geraram reações, resultando assim no fortalecimento da interação buscada pelo órgão no ambiente digital.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Indagamos no começo deste artigo sobre as características de uma interação não situada territorialmente, como é o uso do Instagram, se ela atingiu seus propósitos. Nossa pergunta sobre que tipo de interações foram buscadas levou-nos a constatar que o SEM/RS utilizou esse espaço de comunicação museal publicando imagens estáticas e vídeos, articulados a emojis e hashtags em suas legendas, para compartilhar especialmente informações e instruções, mas também como modo de captar voluntários para recuperação dos museus gaúchos.
As redes de mídia social digital são responsáveis por transformações nos processos comunicacionais ao instaurar a instância midiatizada e diversificar o ecossistema até então organizado. Como os processos de circulação, produção e consumo da agência museística podem ser acionados em favor dos bens culturais nas novas circunstâncias? Para isso indagamos como incidem as mudanças sociotécnicas e como operam as mutações sócio-simbólicas sobre a agência museística.
Acreditamos ser possível afirmar que as interações atingiram seus propósitos ao observar a existência de curtidas nas publicações, além do número de voluntários inscritos para recuperação dos acervos, o que foi divulgado na última publicação analisada. O conteúdo dos posts remeteu ao entendimento de que houve uma dedicação às temáticas relacionadas ao evento climático extremo ocorrido no solo gaúcho, abordando suas consequências, mas apenas indicando como os museus e seus voluntários deveriam agir.
Apesar da situação dramática, não houve apontamento da ausência de políticas públicas na área, do descuido das autoridades ou das mudanças necessárias para o enfrentamento dos acontecimentos climáticos extremos. No entanto, observou-se, através do SEM/RS, o ambiente museológico ativo no Instagram e mobilizado para a preservação da vida humana e a recuperação do patrimônio cultural por meio da ação social.
Ao findar este relato possibilitado através da análise de dados recompilados manualmente e sob pressão emocional e climática, percebemos que além de constatar a presença dos museus nos espaços digitais, o que demonstra seu esforço de adequação às lógicas midiatizadas, houve foco na comunicação museal virtual num momento em que não era possível realizar ações de comunicação localizada. No entanto, entende-se necessário o fomento para além do resgate dos inúmeros acervos e da retomada da vida dos espaços museológicos gaúchos. Uma posição que requer passar a debater sustentabilidade e mudanças climáticas para que as consequências vividas pela sociedade do RS não sejam esquecidas e possam incentivar a mudança.
A reflexão permitiu-nos constatar que as mutações comunicativas do ambiente museológico em direção à digitalização, observadas na análise, revelam transformações significativas no papel das redes de mídias sociais na comunicação museológica. Com um maior alcance, tornam os ambientes mais acessíveis e próximos do público, permitindo a difusão não apenas de conteúdos expositivos, mas também de informações emergenciais que, na situação em referencia, consistiram em instruções de segurança, combate à desinformação e recrutamento de voluntários. A adaptação reforça a interação mais dinâmica e o engajamento do público, reforçando a noção de um museu aberto, o que pode levar a uma reformulação das estratégias comunicacionais dos museus para melhor dialogar com a lógica do digital, levando os espaços a voltarem sua comunicação às urgências do momento, adaptando-se às lógicas algorítmicas e métricas de popularidade, fato que evidencia a necessidade de infraestrutura e literacia digital. No entanto, algumas permanências do modelo tradicional de comunicação em museus são percebidas, como a manutenção de seu papel educativo e institucional.
A análise e sua reflexão realizam uma aproximação inicial e evidenciam que há muito a ser explorado pela agência museística no dia a dia de museus afetados por mudanças climáticas em suas exposições, redes de mídias sociais e ações educacionais. O artigo pretendeu demonstrar que comunicação museológica não apenas se expande para o digital, mas também se transforma, adotando características de imediatismo, interatividade e flexibilidade, ao mesmo tempo em que mantém seu compromisso com a preservação e educação cultural.
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*
Contribuição
dos autores:
A
co-autora Machado
Silveira
contribuiu com a concepção do trabalho científico, o desenho da
pesquisa, a interpretação e análise dos dados, a redação do
manuscrito, a revisão e a aprovação do conteúdo final do
manuscrito. A co-autora Gutheil
Bayer
contribuiu com a concepção do trabalho científico, o desenho da
pesquisa, a coleta, a interpretação e análise dos dados, a redação
do manuscrito, a revisão e a aprovação do conteúdo final do
manuscrito.
* Nota: o Comitê Acadêmico da revista aprovou a publicação do artigo.
* O conjunto de dados que apóiaos resultados deste estudo não está disponível para uso público. Os dados da pesquisa serão disponibilizados aos revisores, se necessário.
Artículo publicado en acceso abierto bajo la Licencia Creative Commons - Attribution 4.0 International (CC BY 4.0).
IDENTIFICAÇÃO
DOS AUTORES
Ada
Cristina Machado Silveira.
Doutora
em Periodismo, Universitat Autònoma de Barcelona (Espanha) e com
estágio pós-doutoral na Sorbonne III - La Nouvelle (França).
Magister en Periodisme i Ciències de la Comunicació, Universitat
Autònoma de Barcelona, com mestrado em Extensão Rural pela
Universidade Federal de Santa Maria (Brasil). Graduada em Comunicação
Social, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Brasil). É professora
titular da Universidade Federal de Santa Maria (Brasil). Pesquisadora
do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(Brasil). Colabora no Mestrado Profissional em Comunicação e
Indústria Criativa, Universidade Federal do Pampa (Brasil). Atuou
como professora visitante em universidades argentinas, paraguaias,
mexicanas e sueca. É editora de Animus.
Revista Interamericana de Comunicação Midiática.
Luiza Gutheil Bayer. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria (Brasil), com período sanduíche no Departamento de Estudos de Mídia e Comunicação da Södertörn University (Suécia). Mestre em Patrimônio Cultural, Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente é bolsista de pós-graduação da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil) e dedica-se à pesquisas relacionadas à midiatização, comunicação e museus. Tem experiência nas áreas de Comunicação e Patrimônio Cultural, tendo atuado como Diretora dos Museus Histórico Fernando Ferrari (Brasil) e Paleontológico e Arqueológico Walter Ilha (Brasil).
i Esta pesquisa foi realizada com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), Brasil.