A crise portuguesa e o futuro da eurolândia (2da. parte)

Authors

  • Marcos Farias Ferreira

Abstract

A demissão do primeiro-ministro socialista, José Sócrates, ficou a dever-se à rejeição, no Parlamento português, do PEC, o programa de estabilidade e crescimento que é necessário entregar todos os anos junto da Comissão Europeia para cumprir o Pacto de estabilidade do euro. Em momento de crise financeira, e com um governo de minoria, o PEC de 2011 transformou-se no centro da luta política entre socialistas e as oposições, de direita e de esquerda. Quando se iniciou a presente legislatura, no final de 2009, ficou desde logo óbvio que a vida do governo socialista de minoria depressa se tornaria difícil, e que seria uma questão de tempo a sua queda ou a sua demissão. O avolumar das dificuldades financeiras trouxe o assédio dos mercados e a contínua degradação do rating da dívida soberana, o que tudo junto foi deixando poucas dúvidas, aos mercados mas também aos parceiros europeus, sobre a capacidade de pagamento da dívida (que em poucos anos escalou dos 58% para os 100% do PIB). Durante meses, o governo socialista manteve-se em negação sobre a escalada da dívida e do défice público, acusando a oposição de direita de querer destruir os serviços públicos em nome de uma agenda neoliberal, e a oposição de esquerda de não ter agenda alternativa e de fazer o jogo da direita. Perante o assédio dos mercados financeiros e das agências de notação financeira, governo (socialista) e presidente da República (de direita), reiteraram que a ajuda externa era desnecessária, que a situação de Portugal era diferente das da Grécia e Irlanda, e que o país conseguiria resolver sozinhas as suas dificuldades. Não conseguiu, e quando os bancos nacionais declarando que não podiam arriscar mais comprar dívida pública, tornou-se óbvio que o país não conseguiria mais financiar-se no mercado nem pagar a dívida galopante. 

O mesmo primeiro-ministro que declarou não governar com o FMI, José Sócrates, foi aquele que assinou o pedido de resgate por parte da troika formada pelo FMI, Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE), que se demitiu e declarou perante as câmaras das televisões que se apresentará às eleições de 5 de Junho como candidato a suceder a si próprio como primeiro-ministro, e com o programa limitado pelo acordo entretanto assinado com a troika. Uma das especificidades deste resgate, é precisamente o facto de ter sido negociado por três instituições (FMI, BCE e CE) e de prever o recurso ao fundo de estabilização do euro. Esta especificidade, que poderia tornar as negociações mais sensíveis a uma agenda europeia de crescimento económico, para lá das preocupações do FMI centradas no equilíbrio das contas e na estabilidade macroeconómica, tem riscos óbvios. O principal tem que ver com a necessidade de aprovação da operação de resgate por todos os países membros do euro, o que na Finlândia, por exemplo, passa pela obrigatoriedade da aprovação do Parlamento nacional. Com a negociação entre o governo português e a troika a decorrer no exacto momento da campanha eleitoral para as eleições legislativas finlandesas, a polémica estava servida. O resgate financeiro a Portugal tornou-se o tema principal da campanha finlandesa, e as forças de externa direita depressa procuraram capitalizar os sentimentos antieuropeístas para rejeitarem a ajuda a Portugal. Com uma expressão parlamentar considerável, o voto dessas forças será muito provavelmente decisivo. Como seria de esperar, e depois de algumas pressões vindas de Bruxelas, onde vários responsáveis europeus declararam não haver plano alternativo no caso de uma rejeição finlandesa, a extrema-direita daquele país parece começar a dar mostras de flexibilidade na sua posição, tudo em nome, claro do interesse nacional finlandês e do que o país poderá vir a ganha com esta operação financeira. 

Desta forma, no final de tarde do dia 3 de Maio, José Sócrates anunciou, pela televisão pública, no intervalo da transmissão do jogo da segunda mão da Liga dos Campeões entre o Barcelona e o Real Madrid, o acordo com a troika para o resgate financeiro. Depois de alguma especulação, a ajuda cifra-se em 75 mil milhões de euros, montante que deverá ser pago num prazo de 3 anos e envolve o agravamento do programa de austeridade e reforma do estado já previsto nos PEC dos anos anteriores (e cujas medidas concretas foram já descritas em Letras Internacionales). Depois de uma avaliação minuciosa das contas públicas, a troika determinou um prazo mais alargado para o cumprimento por parte de Portugal da meta de 3% para o défice. Esta meta, que deveria ser atingida já em 2012, passará para 2013 mas com o compromisso de chegar aos 5,9% este ano e aos 4,5% no próximo.  No capítulo das medidas orçamentais para 2012, com o objectivo de reduzir a despesa, o Estado terá de reduzir o número de serviços já no próximo ano e congelar salários da função pública até 2013. Para o conjunto da administração central, prevêem-se medidas com um impacto de poupança anual de 500 milhões de euros, que o próximo Governo deverá ainda decidir, e que serão avaliadas pela troika já no início do próximo ano. Um dos sectores mais afectados será o da educação, com uma redução de custos de 195 milhões de euros no próximo ano (face a um orçamento de 6377 milhões este ano), o que deverá ser conseguido através da racionalização da rede escolar com a criação de agrupamentos de escolas, redução das necessidades de pessoal, centralização das compras e redução e racionalização das transferências para as escolas privadas com acordos de associação. Ficou decidida também a criação de uma administração fiscal única e a promoção dos serviços partilhados entre as diferentes estruturas do Governo. Serão reduzidas as transferências do Estado para os organismos públicos e outras entidades e reorganizado o fornecimento de serviços ao nível local, quer os das autarquias municipais quer os da administração central. O acordo estipula também que o conjunto dos salários do sector público, em percentagem do PIB, diminuirá em 2012 e 2013, apesar de se prever que a recessão de 2% se estenderá por dois anos. Este objectivo será conseguido com a limitação das admissões na administração pública, com o objectivo de obter diminuições anuais de pessoal de um por cento ao ano até 2014, e de dois por cento nas autarquias. As pensões de reforma superiores a 1500 euros também sofrerão cortes proporcionais entre 5% e 10% como o que aconteceu aos salários da função pública no PEC III aprovado em 2010.  

A crise das dívidas soberanas está finalmente a colocar a em dúvida o próprio futuro da moeda comum na Europa, com os críticos a regressarem às velhas questões de que uma zona monetária só pode manter estabilidade se dispuser de mecanismos para impor políticas económicas e uma fiscalidade unificada. Para os países periféricos da União, o tempo também é o de repensar a forma apressada como quiseram integrar o pelotão da frente da integração europeia sem as condições necessárias, nem a vontade política, para fazer as verdadeiras reformas do estado e da economia que se impunham. Durante os últimos dez anos, os governantes portugueses acharam possível manter uma política de gasto público galopante e incentivo dos gastos privados ao mesmo tempo que a produção da riqueza nacional descia bruscamente e ao mesmo tempo que na noção de solidariedade no seio da Europa se transformou e perdeu a força que adquiriu nos anos que se seguiram à queda do muro de Berlim. Como gosta de afirmar o conhecido historiador português Vasco Pulido Valente (VPV), e a propósito das querelas que têm envolvido as reacções à crise das dívidas soberanas, hoje a solidariedade na Europa é uma fantasia. Os países ricos desprezam o desleixo de Portugal, mas Portugal também não perde um segundo com as pequenas tiranias que vão reaparecendo a Leste, como a da Hungria. No cepticismo de VPV, a comédia (europeia) acabou ou, pelo menos, já não dura muito.



*Doctor en Relaciones Internacionales. 
Profesor de Relaciones Internacionales de la 
Universidad Técnica de Lisboa (UTL)

Published

2011-05-05

Issue

Section

Comercio y economía internacional