De Merkozy a Merkollande
Resumen
A vitória estava anunciada e Sarkozy dificilmente escaparia a ser mais uma vítima política da crise da dívida soberana na Europa. Mesmo tentando essa transmutação em Merkozy e encenando um papel de protagonista para a França na solução da mesma. Parece que não convenceu os franceses, uns bradando pela velha França e outros querendo uma França diferente, numa Europa com outras políticas. Aliás, o último fim de semana na Europa aproximou-se de ser um fenómeno político verdadeiramente europeu, com diferentes eleições na França, na Alemanha, na Grécia e na Sérvia (e dias antes no Reino Unido e depois disso na Itália). E com o seu rol de vencedores e vencidos satelitando em torno do discurso europeu. Paradoxalmente, até pode ser a crise a trazer um espaço público intrinsecamente europeu, uma política europeia e uma discussão com tons especificamente europeus, ainda que sempre necessariamente de implicações locais. Contudo, não parece por agora esta a consequência mais evidente da crise, e o último fim de semana fez regressar os fantasmas de que o epílogo da tragédia grega seja mesmo o fim do euro, para a Grécia ou para toda a Europa. Para além de Sarkozy, também saíram vencidos do fim de semana político os socialistas gregos que negociaram os resgates financeiros para o país (e o perdão de uma parte da dívida), os europeístas sérvios, o premier Cameron (nas municipais) e achanceler Merkel (nas regionais do Schleswig-Holstein).Mal os resultados foram conhecidos, Merkel apressou-se a comunicar que receberia o seu novo parceiro François de braços abertos. Merkozy estava morto, nascia Merkollande! Poucos duvidavam de que a parceria se refundaria, e apesar dos augúrios de que Hollande vai impor à Alemanha conservadora uma nova política para a Europa, menos austeridade e mais crescimento, finalmente o resultado não passará certamente de uma adenda ao acordado anteriormente no Pacto Fiscal. Hollande fará questão de mostrar à Alemanha que a França afinal conta na Europa, que há mais política para lá da austeridade, esperará um aceno legitimador de Merkel para os fotógrafos de plantão, bradará contra os mercados e repetirá que há que ser responsável e reduzir a dependência da dívida. Não significa que tudo ficará igual, mas Merkollande será sempre um consenso franco-alemão e não a outra Europa que os socialistas portugueses (e espanhóis) vêm anunciando para legitimar o rompimento com as políticas do governo de centro-direita (e com que se comprometeram aquando do acordo com a troika). Isso não vai acontecer seguramente, e qualquer relaxamento dos prazos de redução dos desequilíbrios a nível europeu – e policiados diretamente pela Comissão Europeia – vai ser utilizado pelo primeiro-ministro português para ganhar ‘folgas’, mostrar mais serviço à troika e preparar o caminho para o próximo resgate (que muitos dizem inevitável). No fundo, o mesmo plano de contingência de sempre, sem nenhuma garantia de que funcione e com o castrador receio de que tudo o resto possa ser muito pior. Hollande trará seguramente, isso sim, menos consenso no que toca aos remédios para a crise. Dará voz aos que pouco a pouco foram desconfiando da receita centrada na austeridade cega e que avisam para os seus paradoxos e perigos. E obrigará Merkel a concretizar de algum modo minimamente credível a tal adenda ao Pacto Fiscal. Certamente reabrirá o combate político na Europa em torno do que fazer, depois de dois anos de resignação e conformismo restritivos, e dará mais espaço à Comissão Europeia e a Durão Barroso para as soluções comunitárias (os eurobonds e um papel renovado do BCE, por exemplo) que condescendentemente haviam sido postas de lado por Merkel e Sarkozy, mas também por Cameron. O Pacto Fiscal, esse está para ficar, e os próximos anos na Europa não deixarão de ser anos de grandes cortes orçamentais, de sacrifícios para as populações e de recomposição (ou falência completa) do estado social de bem-estar.
E então os gregos? Os gregos foram a votos tentar clarificar a situação que o primeiro-ministro Papandreo achou insustentável no final de 2011. Suspeitou Papandreo que tinha perdido a confiança para governar e não se enganou. Suspeitou que não havia mais nada a fazer senão forçar um referendo sobre o euro e não foi capaz de manter a ameaça. Apoiou um governo de transição liderado pelo tecnocrata Papademos mas a resposta ao seu referendo não se fez esperar. Com o resultado mais fragmentado da história eleitoral moderna da Grécia, os eleitores gregos não têm claro o que querem fazer com o euro e se querem um governo que governe com ele ou contra ele. Vai seguir-se a difícil pugna da formação do governo, as eleições podem mesmo ter que repetir-se caso falhem todas as tentativas (já estão a falhar), e esta pode bem vir a ser a ocasião para a primeira interferência crítica, e mais ou menos compungida, de Merkollande a bem do futuro da Europa. Da Alemanha já chegaram ‘chamamentos’ para a formação de um governo sensato. A situação política na Grécia é mais explosiva que nunca, embora a batalha campal tenha deixado as ruas de Atenas e Salónica. As eleições não trouxeram só a pulverização das preferências políticas e a punição dos dois partidos que construíram o regime e alternaram no poder; também radicalizaram o Parlamento, deram voz à extrema-direita e fizeram da Grécia um país ingovernável a prazo. O partido mais votado (os conservadores da Nova Democracia) não conseguiu sequer chegar aos 19% e o Syriza (a esquerda radical), a apenas 2% de distância, defende o rompimento dos acordos de resgate financeiro com a UE e o FMI. Os socialistas do PASOK obtiveram uma derrota histórica e baixaram dos 44% de 2009 para uns meros 13%, não permitindo sequer a maioria em coligação com a ND. Mas o mais impressionante não deixa de ser a conferência de imprensa do dirigente do partido fascista xenófobo que acabava de conseguir entrar pela primeira vez no Parlamento, e logo com uma vintena de deputados. Um testa de ferro antecede-o ao entrar na sala e obriga os jornalistas a levantarem-se em sinal de reverência. Os resistentes são expulsos aos encontrões. A bolsa de Atenas chegou a cair 10% na segunda-feira mas finalmente ficou-se por uma queda de 6%, e em Junho haverá certamente novas eleições.
A crise, as respostas à crise e as suas consequências sociais podem bem estar a produzir a recomposição dos sistemas políticos na Europa. A fragmentação, a instabilidade e a ingovernabilidade da Grécia deviam começar por preocupar Merkollande na hora de definir um novo consenso e parceria franco-alemã de que sempre depende a iniciativa política na Europa. Ainda para mais quando Hollande e os socialistas franceses voltam a votos dentro de um mês, agora para as legislativas, e terão provavelmente como principal opositor a extrema-direita xenófoba de Marine Le Pen.
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